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Resposta imune a bactérias e fungos de interesse clínico

Ana Carolina Terra Mercadante

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Convite ao estudo

Caro aluno,
Bem-vindo à nossa segunda unidade! Você está pronto para desvendar um pouco mais do universo da Imunologia Clínica? 
Até aqui, relembramos os componentes do sistema imune, sua função e a forma como responde à perda da homeostasia tecidual. Ao longo do caminho, nos referimos à proteção contra patógenos como uma das principais funções fisiológicas desse sistema. Devido à sua importância, nos voltaremos, nesta unidade, para as particularidades da resposta imunológica contra os diferentes tipos de micro-organismos.
Para compreendermos a imunidade contra os micro-organismos, devemos, primeiro, entender que as manifestações clínicas das doenças (infecciosas ou não), bem como a sua progressão (curso clínico e consequência), são o resultado das anormalidades funcionais decorrentes de alterações genéticas, bioquímicas e estruturais que acontecem em células e tecidos. Nesse sentido, um micro-organismo é capaz de causar uma doença de diferentes formas, seja matando diretamente as células que infecta, seja liberando toxinas que causam mau funcionamento celular e, consequentemente, levam à injúria tecidual, ou, ainda, estimulando uma resposta imune exacerbada e prejudicial ao hospedeiro. Assim, ao estudarmos a resposta imune contra micro-organismos, nos depararemos com reações numerosas e variadas que afetam diretamente o paciente. 
A fim de que você compreenda um tema tão importante para o seu futuro profissional, descreveremos como nosso sistema de defesa responde às bactérias (intra e extracelulares) e aos fungos. Em seguida, abordaremos a resposta contra vírus, protozoários e helmintos, e exemplificaremos o imunodiagnóstico de infecções mais relevantes na prática clínica. Finalmente, discutiremos o desenvolvimento de vacinas, que são, muitas vezes, a única opção para controlar o avanço de uma infecção. 
Convidamos você para iniciar mais essa jornada.

Praticar para aprender

A resposta imune possui um papel central na defesa contra patógenos e representa a principal barreira contra a ocorrência de infecções disseminadas, associadas a um alto índice de mortalidade. Esse fato torna-se ainda mais evidente quando falamos de infecções bacterianas e fúngicas. 
A maior parte das infecções em humanos é causada por bactérias. Além disso, possuímos uma complexa microbiota que torna difícil o entendimento do limite entre a resposta protetora contra as bactérias que causam doenças e a resposta de tolerância àquelas que nos trazem benefícios. Já os fungos são, na maioria das vezes, parasitas oportunistas e representam um grande problema de saúde pública quando lidamos com indivíduos imunossuprimidos. 
Devido à importância clínica desses micro-organismos, nesta seção abordaremos os padrões de respostas imunes mais eficazes contra bactérias que infectam espaços extracelulares e contra bactérias intracelulares facultativas, destacando particularidades referentes à fisiopatologia das infecções e aos mecanismos de evasão desenvolvidos por elas. Por fim, abordaremos a reposta imune contra fungos de importância médica. 
Para contextualizar sua aprendizagem, suponha que você, já formado, é o responsável técnico do laboratório de sorologia de um hospital. Ao chegar no laboratório, sua equipe discutia o caso de José, um paciente internado que se recuperava de uma pneumonia causada por Streptococcus pneumoniae. A pedido do médico responsável, vários exames sorológicos foram solicitados para o acompanhamento do paciente. Dois deles eram referentes ao diagnóstico de sífilis, infecção sexualmente transmissível causada pelo Treponema pallidum. O paciente relatava ter apresentado sífilis há 10 anos e, após o tratamento completo, não teve mais nenhum sintoma nos anos que se seguiram. No entanto, o teste VDLR, realizado no hospital, foi reagente a uma titulação máxima de 1:4. Foi realizado, também, um teste ELISA treponêmico, cujo resultado foi reagente. 
A equipe do seu laboratório estava duvidando dos resultados, visto que o paciente, além de não apresentar sintomas de sífilis ativa, alegava ter recebido o tratamento completo. Como você explicaria esses resultados à sua equipe? É possível que o resultado esteja correto ou pode ter ocorrido a troca de amostras com as de outro paciente? 
Você inicia, aqui, mais uma unidade! Veja o quanto você tem se desenvolvido e valorize cada pequena vitória! Bons estudos!

conceito-chave

O desenvolvimento de uma doença infecciosa envolve interações complexas entre o patógeno e o hospedeiro. Se, por um lado, a virulência do micro-organismo determina sua capacidade de invasão tecidual, colonização e evasão do sistema imunológico, por outro, susceptibilidades naturais do hospedeiro, ou a reação exacerbada de seu sistema de defesa, podem contribuir para este cenário. Ou seja, a patogênese de uma doença infecciosa não se resume, apenas, à presença de um micro-organismo e sim a uma gama de fatores que variam entre os dois lados dessa relação. 
Apesar de toda essa diversidade, existem pontos em comum quando falamos de imunidade contra os diferentes micro-organismos. O primeiro é que a defesa do hospedeiro é mediada por mecanismos inatos e adaptativos, de modo que defeitos herdados ou adquiridos que afetam os mecanismos dessas duas respostas predispõem o indivíduo a quadros persistentes ou mais graves de infecções. O segundo ponto diz respeito à especialização da resposta adaptativa aos diferentes tipos de micro-organismos. Conforme mencionamos na unidade anterior, a defesa contra patógenos requer mecanismos efetores mais adequados à sua eliminação. A diferenciação dos subtipos de linfócitos T auxiliares ou a produção de isotipos distintos de anticorpos são reflexos dessa necessidade. Esse fato nos leva ao terceiro ponto: mesmo diante de respostas especializadas, a habilidade natural de alguns micro-organismos de evadir ou de resistir aos mecanismos imunes influencia sua sobrevivência e patogenicidade. Ao olharmos a relação entre nosso sistema imune e os micro-organismos que nos causam infecção, podemos perceber que nosso sistema de defesa age como um seletor natural daqueles patógenos que possuem capacidade de resistir a ele. Ambos estão, portanto, envolvidos em uma luta constante pela sobrevivência, na qual o balanço entre a resposta imune do hospedeiro e as estratégias de resistência do micro-organismo dita o resultado da infecção. O quarto e último ponto diz respeito à exacerbação da resposta de defesa observada em algumas infecções. Nestes casos, a injúria tecidual e a consequente doença são resultados da ação do próprio sistema imunológico do hospedeiro. 
Agora que já vimos esses pontos, vamos estudar as particularidades das respostas imunes contra bactérias e fungos? Para sua melhor compreensão, dividiremos essa seção em duas partes; a primeira, referente à resposta contra as bactérias, e a segunda, à resposta antifúngica.

Resposta imune contra bactérias

Para melhor compreendermos a imunidade contra bactérias, será necessário separá-las em dois grupos: o das bactérias extracelulares, capazes de se replicar fora das células do hospedeiro, e o das bactérias intracelulares facultativas, que podem sobreviver e até se replicar dentro de células, como fagócitos. Olhando para as bactérias extracelulares, temos micro-organismos que podem infectar o sangue, além de tecidos conectivos e espaços como o lúmen do trato gastrointestinal ou da mucosa aérea. Muitas dessas bactérias são oportunistas e capazes de produzir toxinas com diferentes efeitos patológicos. As chamadas endotoxinas correspondem a moléculas que compõem a parede celular, como o lipopolissacarídeo (o LPS das bactérias Gram-negativas), e são potentes estimuladores da inflamação. Lembre-se de que a inflamação exacerbada pode ser uma das causas da injúria tecidual, o que veremos em detalhes mais adiante. Já as exotoxinas correspondem a moléculas secretadas por algumas bactérias. São, em sua maioria, moléculas citotóxicas, com efeitos que variam desde a inibição da síntese proteica, como o faz a toxina diftérica, até a inibição da comunicação neuromuscular, tal como induz a toxina tetânica. 
As barreiras naturais são extremamente importantes na defesa contra as bactérias extracelulares. A integridade epitelial impede a invasão tecidual, e o movimento mucociliar dificulta a aderência ao trato respiratório, além disso, o pH ácido do estômago elimina muitas bactérias que penetram o trato digestivo alto. Na saliva e nas secreções prostáticas existem moléculas microbicidas. 
Uma vez que consigam ultrapassar tais barreiras, outros mecanismos inatos assumem a resposta. Peptideoglicanos da parede celular de bactérias Gram-positivas e o LPS, das Gram-negativas, ativam a via alternativa do sistema complemento que, além induzir a lise da célula bacteriana pela formação do Complexo de Ataque à Membrana, ainda gera peptídeos que atuam como opsoninas e mediadores inflamatórios. Aqui, vale destacar o papel da proteína C reativa (PCR), uma proteína de fase aguda produzida pelo fígado. A PCR possui múltiplos efeitos, atuando como opsonina, ativadora do sistema complemento e indutora do Fator de Necrose Tumoral α (TNFα), citocina importante na fase inicial da resposta imune. 
A ativação de fagócitos, como neutrófilos e macrófagos, constitui outro mecanismo imprescindível na resposta contra esses micro-organismos. 

Assimile

O processo de fagocitose inicia-se com o reconhecimento de moléculas PAMPs por receptores de reconhecimento padrão. O micro-organismo reconhecido é internalizado e preso no que chamamos de vesícula fagocítica. Existem três mecanismos principais pelos quais os fagócitos conseguem eliminar o patógeno. O primeiro depende da fusão dos lisossomos aos fagossomos, formando o fagolisossomo. Com isso, as enzimas digestivas contidas na organela são liberadas na vesícula e podem atuar sobre o conteúdo fagocitado. Outras enzimas presentes nos grânulos dos neutrófilos também podem contribuir neste processo. O segundo mecanismo é chamado de explosão respiratória, ou explosão oxidativa, e leva à geração de espécimes reativas de oxigênio (iROS). A enzima NADPH Oxidase Fagocitária, presente na membrana do fagolisossomo e ativada por citocinas inflamatórias ou sinalização via receptores do tipo Toll, atua sobre a molécula de O2, formando superóxidos. Em seguida, esses superóxidos são transformados em peróxidos que, pela ação da mieloperoxidase presente nos fagócitos, transforma íons haleto em ácidos hipohaletos, moléculas extremamente tóxicas aos micro-organismos. Por fim, o terceiro mecanismo diz respeito à formação de espécimes reativas de óxido nítrico (iNOS). Para tanto, a enzima Óxido Nítrico Sintase, estimulada pelos mesmos fatores que a Oxidase Fagocitária, atua sobre a arginina, levando à formação de óxido nítrico gasoso. Esse gás combina-se com peróxidos formados no mecanismo anterior e geram radicais de peróxido nitrito, altamente reativos. Os dois últimos mecanismos, além de gerarem radicais livres, também contribuem para a acidificação do meio interno da vesícula e para o aumento da osmolaridade, fatos que favorecem a atividade das enzimas descritas no primeiro mecanismo.

Adicionalmente à sua função fagocítica, a ativação de neutrófilos, após o reconhecimento de PAMPs, pode levar à formação das Armadilhas Extracelulares de Neutrófilos (NETs - Neutrophil Extracellular Traps). Essas estruturas são resultado de um tipo de morte celular programada, chamada de NETose; o processo culmina na descondensação do DNA dos neutrófilos, na perda da membrana nuclear e na liberação da cromatina para o meio extracelular, levando consigo enzimas contidas nos grânulos citoplasmáticos, tais como a elastase, a mieloperoxidase e a lactoferrina. Como resultado, forma-se uma rede de DNA que captura e mata os micro-organismos, além de facilitar a opsonização por outros fagócitos locais. É válido lembrar que, apesar de constituir um mecanismo de defesa, a NETose também contribui para o dano tecidual.
Em meio ao ambiente inflamatório, algumas citocinas destacam-se por seus efeitos clínicos. O TNFα e a interleucina 1 (IL1) induzem a produção de prostaglandinas hipotalâmicas, ocasionando a febre. A significância biológica da febre ainda é controversa, mas diversos trabalhos já demonstraram que a elevação da temperatura corporal pode diminuir a proliferação bacteriana, além de estimular diversas funções imunológicas. Em conjunto com a IL6, o IL1 e o TNFα também aumentam a expressão de moléculas de adesão, facilitando a passagem de células do sistema imune de dentro do vaso sanguíneo para o sítio de infecção, além disso, estimulam a produção de óxido nítrico por neutrófilos e macrófagos. 
Na resposta adaptativa contra bactérias extracelulares, há o predomínio de resposta humoral. Anticorpos de alta afinidade para antígenos da parede celular, ou para as toxinas produzidas por esses patógenos, atuam como opsoninas, agentes neutralizantes ou ativadores da via clássica do sistema complemento. É comum que as células TCD4+ assumam o perfil Th17 e, pela liberação de IL17A e IL17F, melhorem a ativação de neutrófilos já atuantes na resposta. A IL22, também produzida por essas células, possui um efeito sobre o epitélio, estimulando a regeneração epitelial e induzindo a produção de defensinas, moléculas microbicidas de amplo espectro. 
Por estarem o tempo todo visíveis, e, logo, acessíveis aos receptores inatos, produtos bacterianos, como o LPS ou o Ácido Lipoteicóico, induzem um grande estímulo inflamatório que, muitas vezes, pode culminar no fenômeno conhecido como “tempestade de citocinas”. Aqui, quantidades acima do normal das já mencionadas citocinas IL6, IL1 e TNFα são produzidas e podem resultar no choque séptico, quadro caracterizado pelo colapso do sistema circulatório, coagulação intravascular disseminada e distúrbios metabólicos em vários tecidos. Certas toxinas bacterianas, chamadas de superantígenos, também podem levar à síndrome inflamatória sistêmica. Essas toxinas são capazes de ativar de forma inespecífica muitos linfócitos T auxiliares que, por sua vez, produzem quantidades acima do normal de citocinas inflamatórias, levando a um quadro similar ao observado no choque séptico. Além do dano tecidual causado pela inflamação exacerbada, uma complicação tardia que pode advir da infecção por esse tipo de bactéria é a geração de anticorpos autorreativos, causadores de doenças autoimunes, como a febre reumática associada à infecção por alguns sorotipos de estreptococos β-hemolíticos.
Como as bactérias extracelulares são susceptíveis à destruição quando fagocitadas, elas desenvolveram mecanismos para escapar do reconhecimento pelas células imunes e da fagocitose. Quanto aos mecanismos já descritos, podemos destacar a produção de proteases que degradam a porção Fc de anticorpos opsonizantes, a alteração de antígenos superficiais e a modificação de algumas de suas moléculas estruturais, como a adição de ácido siálico ao LPS. 
Quando falamos de bactérias intracelulares, temos um padrão de resposta diferente do que vimos até aqui. Por se tratarem de micro-organismos capazes de se proliferar dentro dos fagócitos, eles estão, na maior parte do tempo, inacessíveis às moléculas humorais. A defesa inata baseia-se, então, na ativação dos fagócitos, numa tentativa de eliminar as bactérias que os infectam e na ação de células Natural Killers (NK), que possuem função citotóxica. Essas células também são fontes da citocina IFNγ, potente estimulador das enzimas participantes da produção de iROS e iNOS nos fagócitos. Na maioria das vezes, a imunidade inata será insuficiente para eliminar esses patógenos, havendo, assim, a necessidade de mecanismos adaptativos mais eficazes.
Na resposta adaptativa contra bactérias intracelulares, há o predomínio da resposta celular, com a participação de macrófagos e células T CD8+ citotóxicas. No decorrer da resposta, linfócitos T CD4+ auxiliares diferenciam-se em células efetoras do subtipo Th1, graças à produção de IL12 no sítio de infecção. Essas células passam, então, a expressar a molécula CD40L e a produzir grandes quantidades de IFNγ, estímulos que induzem a diferenciação dos macrófagos no subtipo M1, inflamatório, e potencializam os mecanismos já descritos de eliminação do conteúdo fagocitado. Tudo isso dificulta a proliferação bacteriana no interior desses fagócitos. Algumas bactérias, no entanto, conseguem escapar da vesícula fagocítica para o citosol, ficando inacessíveis aos mecanismos microbicidas. Dessa forma, a erradicação da infecção depende da eliminação da célula infectada. Esta ação é desempenhada pelas células T citotóxicas, por meio de dois mecanismos principais. O primeiro, também realizado por células NK, depende da liberação de perforina, proteína que forma um poro na membrana plasmática da célula-alvo e permite a passagem da granzima. Esta enzima, também liberada pela célula citotóxica, é capaz de ativar caspases e iniciar a via intrínseca de apoptose. Já o segundo mecanismo, apresentado apenas pelos linfócitos T citotóxicos, baseia-se na ligação entre a molécula FasL, expressa na membrana desses linfóctitos, e a molécula Fas, presente na membrana da célula-alvo. Como resultado, ocorre a ativação da via extrínseca de apoptose na célula infectada.
Os mecanismos de evasão desenvolvidos pelas bactérias intracelulares dependem de estratégias para evitar sua eliminação após a fagocitose. A Mycobacterium tuberculosis, causadora da tuberculose, e a Legionella pneumophila, associada a quadros de pneumonias, são capazes de inibir a fusão entre o lisossomo e o fagossomo. A Mycobacterium leprae, agente causador da lepra, é capaz de inativar iROS e iNOS. Já a Listeria monocytogenes, capaz de desencadear a meningite, rompe a membrana da vesícula fagocítica e escapa para o citoplasma dos fagócitos. Essa resistência é a principal responsável pela ocorrência de infecções crônicas que perduram por anos, mesmo após uma aparente cura, é, também, responsável pela inflamação granulomatosa, característica desse tipo de infecção. Como esses micro-organismos persistem por longos períodos no hospedeiro, causam a estimulação antigênica crônica de linfócitos T e de macrófagos, que se acumulam no sítio de infecção e acabam estimulando a formação de uma cápsula fibrosa no local. Esse tecido inflamado é o que chamamos de granuloma. Como exemplo, podemos citar a infecção por Mycobacterium tuberculosis. Durante a infecção inicial, o bacilo multiplica-se lentamente no pulmão do hospedeiro, causando apenas uma inflamação leve, contida por macrófagos alveolares. A maioria dos pacientes é assintomática nesta fase. Após 6 a 8 semanas, com a ativação dos linfócitos T auxiliares, ocorre a produção elevada das citocinas IFNγ e TNFα, o que resulta, também, no aumento da inflamação. Este fato, associado à capacidade de escape já mencionada apresentada por essas bactérias, resulta na retroalimentação positiva da ativação dos linfócitos T e na formação do granuloma. Um ponto agravante é a necrose caseosa observada no granuloma, que ocorre em consequência da liberação de enzimas digestivas e espécimes reativas de oxigênio pelos macrófagos, resultando tanto na injúria tecidual quanto nos sinais clínicos da tuberculose. 

Exemplificando

Pessoas infectadas por M. tuberculosis apresentam uma reação cutânea chamada de hipersensibilidade tardia, caracterizada por eritema e edema local após o contato com antígenos da bactéria. Esse fato é explorado na prática clínica no diagnóstico de infecção da doença latente e da tuberculose infantil. O teste, chamado de PPD (Derivado Proteico Purificado), Reação de Mantoux ou Teste Tuberculínico, é baseado na inoculação intradérmica, geralmente no antebraço do paciente, da tuberculina purificada. A inoculação do antígeno desencadeia a reativação dos linfócitos T sensibilizados, que culmina na formação de um pequeno nódulo local (enduração), resultado de um infiltrado composto por linfócitos, macrófagos e granulócitos. Após 48h a 72h da aplicação, é feita a medição do maior diâmetro transverso da área de endurecimento palpável, utilizando-se uma régua milimetrada específica. O resultado é descrito em milímetros e considera-se como infectado pela M. tuberculosis o paciente que tiver enduração igual ou superior a 10 mm. Enduração de 5 a 9 mm corresponde à vacinação por BCG ou a uma infecção passada pela bactéria. 
O teste de PPD é um teste padrão utilizado para detecção da tuberculose latente no Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS). No entanto, em novembro do ano de 2020, o Ministério da Saúde autorizou a incorporação do teste de liberação de interferon-gama (Interferon Gamma Release Assay _ IGRA), capaz de detectar o IFNγ liberado por linfócitos T quando expostos a antígenos do M. tuberculosis in vitro. Os testes IGRA podem ser do tipo imunoenzimático (ELISA) e são realizados em uma única visita, com resultados disponíveis em 24 horas, além de possuir uma interpretação padronizada. 

Apesar de o padrão de resposta Th1 mostrar-se insuficiente para controlar a infecção por alguns tipos de bactérias frente aos mecanismos de evasão por elas apresentados, não fazê-lo pode ser pior para o hospedeiro. Um exemplo é observado em pacientes infectados pela Mycobacterium leprae. Existem duas formas polares de lepra: a forma tuberculóide, mais branda, caracterizada por lesões contidas, com comprometimento dos nervos sensoriais da pele, e a forma virchowiana, mais grave, caracterizada por neurite e eritema nodoso disseminados. Esta última está associada ao desenvolvimento de um perfil inflamatório do subtipo Th2, que contribui para o espalhamento da bactéria. Os macrófagos, sob a influência das citocinas deste perfil, diferenciam-se no subtipo M2, anti-inflamatório, incapaz, portanto, de eliminar as bactérias que os infectam.
Você deve estar se perguntando como fazemos o diagnóstico de infecções bacterianas. Para a maioria dos casos, os testes padrão-ouro são aqueles baseados no isolamento e na cultura do agente causador da infecção, ou, ainda, em testes moleculares. No entanto, o imunodiagnóstico tem se mostrado bastante útil neste quesito, auxiliando, inclusive, na determinação da fase da doença. Um exemplo que mostra a importância do imunodiagnóstico nas doenças bacterianas é a infecção pelo Treponema pallidum, causador de uma doença sexualmente transmissível, conhecida como sífilis. O imunodiagnóstico da sífilis é baseado em testes não treponêmicos e em testes treponêmicos. Os primeiros são baseados na reação de floculação (uma espécie de aglutinação), que consiste em suspensões de cristais de colesterol, como suporte da cardiolipina, em meio aquoso, contendo lecitina. A cardiolipina é um fosfolipídeo estruturalmente muito parecido com os que compõem a membrana do treponema. Na presença de anticorpos anticardiolipina na amostra do paciente, ocorre a aglutinação, visível a olho nú, dos cristais de colesterol. Esse é o fundamento de testes baratos, sensíveis e bastante utilizados como triagem dos pacientes doentes, tais como o VDLR (Veneral Disease Research Laboratory) e suas variantes, o RPR (Rapid Plasma Reagin) e o Carbotest®. Os testes treponêmicos são realizados com o próprio T. pallidum ou com seus antígenos. Como exemplos, temos o FTA-Abs, baseado na imunofluorescência indireta, que busca por anticorpos treponema específicos; também utilizados para a pesquisa de anticorpos específicos, temos o imunoensaio enzimático treponêmico (EIA) e os testes rápidos de fluxo lateral. A combinação dos resultados obtidos com um teste treponêmico auxilia no acompanhamento da eficácia do tratamento do paciente e do possível desenvolvimento da neurosífilis, além do diagnóstico da sífilis congênita. A sorologia não treponêmica é indicada para o diagnóstico e seguimento terapêutico, pois é útil na determinação da concentração (titulação) dos anticorpos produzidos pelo paciente e tende a se tornar não reagente após o tratamento. Na doença ativa, o VDLR, por exemplo, apresenta títulos altos (maiores ou iguais a 1:16). Estes resultados, ou a elevação do título em, pelo menos, quatro vezes em relação ao exame anterior, indicam que o paciente deve receber o tratamento novamente. Já a sorologia treponêmica é útil para a confirmação diagnóstica. É válido mencionar que é possível a ocorrência de um fenômeno conhecido como “cicatriz imunológica”, quando o paciente comprovadamente tratado ainda apresenta reatividade nos testes treponêmicos e apresentam, nos testes não treponêmicos quantitativos, baixos títulos de anticorpos. Nestes casos, deve-se comprovar o tratamento, uma vez que títulos baixos de anticorpos também são encontrados na sífilis primária ou na sífilis latente não tratada.

Resposta imune contra fungos

As infecções fúngicas, também conhecidas como micoses, são importantes causas de morbidades em seres humanos. Algumas infecções costumam ser endêmicas, causadas por fungos ambientais, cujos esporos são inalados pelo homem. Outras podem ser oportunistas, uma vez que são causadas por agentes que induzem doenças leves a moderadas em indivíduos saudáveis e, naqueles imunocomprometidos, causam quadros mais graves.
Diferentes fungos infectam humanos e podem sobreviver no meio extracelular ou dentro dos fagócitos. A resposta imune contra esses patógenos é, portanto, a mistura entre as respostas vistas contra as bactérias intra e extracelulares. Os principais mediadores da imunidade inata contra os fungos são os neutrófilos, capazes de liberar moléculas fungicidas, tais como as espécies reativas de oxigênio e enzimas lisossomais. Adicionalmente, a ativação das vias alternativa e da lectina do sistema complemento também colabora para o controle da infecção. A resposta adaptativa que se segue dependerá do tipo de infecção. Fungos intracelulares facultativos, como o Histoplasma capsulatum, por exemplo, que causam infecções pulmonares e hepáticas, e o Cryptococcus neoformans, causador de doença pulmonar e nervosa, despertam o perfil de resposta Th1. Esta resposta cursa com a ativação do macrófago para a liberação de IFNγ pelas células Th1 e a atuação das células TCD8+, características da resposta celular. Subtipos de anticorpos opsonizantes são produzidos e contribuem para a fagocitose desses micro-organismos. Já fungos extracelulares, como a forma leveduriforme da Candida albicans, natural da flora urogenital feminina, podem desencadear o perfil de auxílio Th17, caracterizado pelo recrutamento de monócitos e neutrófilos para o sítio de infecção. Vale ressaltar que a ausência do desenvolvimento dos perfis adequados de resposta adaptativa pode levar a quadros muito mais graves de infecção fúngica.
O imunodiagnóstico neste tipo de infecção é pouco explorado, sendo os testes padrão-ouro baseados, primariamente, na identificação do fungo em amostras teciduais.

Reflita

A alergia ou atopia é uma reação tipicamente Th2. Ou seja, os indivíduos alérgicos tendem a responder com esse perfil de resposta às moléculas que lhes causam alergia. Diversos trabalhos já demonstraram que a candidíase vaginal é mais frequente em mulheres que são alérgicas. Você consegue pensar em uma explicação possível para esse fenômeno?

Nesta seção, você descobriu as particularidades da resposta imune contra bactérias e fungos, além dos mecanismos de evasão da reposta imune que cada tipo apresenta. Agora é com você, aprofunde seus conhecimentos lendo artigos científicos e tire suas dúvidas com o professor. Boa sorte!

Faça valer a pena

Questão 1

Algumas bactérias extracelulares podem infectar o sangue, tecidos conectivos e espaços como o lúmen do trato gastrointestinal ou da mucosa aérea, podendo causar danos ao hospedeiro por três mecanismos principais: pela indução da inflamação, pela produção de endotoxina e produção de exotoxina.
Assinale a alternativa que apresenta corretamente a definição de exotoxinas.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Correto!

As exotoxinas são moléculas produzidas e secretadas por bactérias extracelulares com efeitos variados, porém, predominantemente citotóxicas. As letras “a” e “e” estão incorretas, pois as exotoxinas podem ser produzidas tanto por bactérias Gram-negativas quanto por bactérias Gram-positivas. A letra “b” está incorreta, pois trata-se da definição de endotoxina. A letra “d” está incorreta, pois não traz a definição de exotoxina.

Tente novamente...

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Questão 2

O desenvolvimento de uma doença infecciosa envolve interações complexas entre o patógeno e o hospedeiro. Se, por um lado, a virulência do micro-organismo determina sua capacidade de invasão tecidual, colonização e evasão do sistema imunológico, por outro, susceptibilidades naturais do hospedeiro, ou a reação exacerbada de seu sistema de defesa, podem contribuir para este cenário. Considerando o contexto, avalie as afirmativas a seguir:
I. Na resposta adaptativa contra bactérias extracelulares, há o predomínio da resposta celular, enquanto as células NK correspondem ao mecanismo inato de maior destaque.
II. Bactérias extracelulares podem desencadear uma ativação patológica da resposta imune, ocasionando o choque séptico, caracterizado pelo colapso do sistema circulatório, coagulação intravascular disseminada e distúrbios metabólicos em vários tecidos.
III. Na resposta adaptativa contra bactérias intracelulares, há o predomínio da resposta humoral, com atuação majoritária de anticorpos de alta afinidade para antígenos da parede celular ou para as toxinas.
IV. Os mecanismos de evasão desenvolvidos pelas bactérias intracelulares dependem, primariamente, de estratégias para evitar sua eliminação após a fagocitose. 
Considerando o contexto apresentado, assinale a alternativa correta.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

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Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Correto!

Estão corretas as afirmativas II e IV. A afirmativa I está incorreta, pois é na resposta adaptativa contra bactérias intracelulares em que há o predomínio do braço celular, enquanto as células NK correspondem ao mecanismo inato de maior destaque. Já a afirmativa III está incorreta, pois é na resposta adaptativa contra bactérias extracelulares que ocorre o predomínio do braço humoral, com a ação majoritária de anticorpos de alta afinidade para antígenos da parede celular ou para as toxinas.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Questão 3

As infecções fúngicas são importantes causas de morbidades em seres humanos, principalmente associadas a quadros sistêmicos em indivíduos imunossuprimidos.
Com base nas informações apresentadas, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas.
I. A resposta imune contra os fungos é definida pela mistura entre os perfis Th1 e Th17, variando de acordo com a espécie em questão. 
PORQUE
II. Diferentes fungos infectam humanos e podem sobreviver no meio extracelular ou dentro dos fagócitos. 
A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta.

Correto!

Patógenos que infectam espaços extracelulares são mais susceptíveis a mecanismos humorais da resposta adaptativa e à fagocitose por células, como neutrófilos e macrófagos, característicos da resposta Th17. Já aqueles que realizam a infecção intracelular são mais susceptíveis a mecanismos celulares, em especial à ação de linfócitos T citotóxicos, responsáveis por eliminar os reservatórios de infecção, mecanismos que são estimulados pelo perfil de resposta Th1. Como existem fungos que são extracelulares e outros intracelulares facultativos, a resposta vai se adequar à espécie em questão. Dessa forma, a asserções I e II são proposições verdadeiras e a II justifica a I.

Tente novamente...

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Referências

ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; PILLAI, S. Imunologia Celular e Molecular. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.
BOGLIOLO, B. F. G. Patologia. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3q2J5yo. Acesso em: 1 mar. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual Técnico para Diagnóstico da Sífilis. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3zycgxJ. Acesso em: 1 mar. 2021.
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