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Imuno-hematologia (prático)

Ana Carolina Terra Mercadante

Fonte: Shutterstock.

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Praticar para aprender

A transfusão de sangue ou de hemocomponentes é o tipo de transplante mais comum no mundo e auxilia na reposição de sangue após perda hemorrágica ou para corrigir defeitos causados pela produção inadequada de células sanguíneas observadas em uma gama imensa de doenças. De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil é referência no assunto, pois cerca de 1,6% da população pratica a doação de sangue, o que equivale a dizer que 16 a cada mil habitantes doam sangue periodicamente. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que pelo menos 1% da população seja doadora.
A doação de sangue é limitada não apenas pelo número de doadores que se dispõem a doar, mas também pela necessidade da compatibilidade sanguínea entre doadores e receptores. E é justamente nesse ponto que a imuno-hematologia se destaca. Por meio de testes específicos, hoje é possível minimizar ao máximo complicações relacionadas às transfusões sanguíneas. 
Por ser um tema tão necessário ao seu futuro profissional, nesta seção abordaremos os principais sistemas de classificação das hemácias, discutiremos as bases da compatibilidade sanguínea e trataremos dos testes de tipagem sanguínea mais realizados na prática clínica e pré-transfusional.
Para contextualizar sua aprendizagem, vamos retomar a situação problema da seção anterior, na qual você, já formado, acabou de passar para o programa de residência em Hematologia e Histocompatibilidade de um importante hospital de transplantes. No seu primeiro ano, você e seus colegas de turma percorrerão os diferentes laboratórios do hospital para então escolher um onde permanecerão o restante do programa. 
O terceiro laboratório determinado para vocês conhecerem é o de imuno-hematologia do doador, local onde são realizados os testes de tipagem das bolsas de sangue doadas. Ao chegarem no laboratório, vocês conheceram a Valéria, responsável pelo setor. Para treiná-los, ela distribuiu amostras de bolsas de sangue coletadas naquele dia para que vocês pudessem fazer a tipagem sanguínea (ABO e Rh) por meio das provas direta e reversa. Após alguns minutos, um colega pediu sua ajuda, pois havia encontrado resultados dissonantes nas provas que tinha feito: na prova direta, as hemácias haviam aglutinado com o soro anti-A e anti-A, B e não aglutinaram na presença do soro anti-B, mostrando-se ser do tipo A. Porém, ao fazer a prova reversa, o soro do doador aglutinou tanto hemácias do tipo A1 quanto hemácias do tipo B, tal como ocorre em indivíduos do grupo O. Como você interpreta esses achados? Foi um erro técnico cometido por seu colega?
Você está pronto para nossa última seção? Então vamos lá!

conceito-chave

Na seção anterior, falamos dos transplantes de órgãos e de medula óssea, mas existe ainda um tipo especial que merece ser abordado separadamente devido à sua complexidade: a transfusão sanguínea. O objetivo desse procedimento é transferir sangue total ou hemocomponentes (hemácias, plaquetas ou leucócitos) entre indivíduos a fim de prover o receptor com o componente que lhe falta. Tal como os demais tipos de transplante, a compatibilidade entre doador e receptor deve ser respeitada. Essa compatibilidade se baseia em moléculas polimórficas encontradas nos eritrócitos (hemácias) e, em menor escala, nas plaquetas e nos neutrófilos, contra as quais pode haver a produção de auto ou aloanticorpos.
Do ponto de vista clínico, os antígenos eritrocitários são os mais relevantes. Trata-se de domínios imunogênicos de moléculas que exercem diferentes funções, como recepção de sinais, transporte transmembrana, adesão celular, adesão da membrana plasmática ao citoesqueleto e formação da matriz extracelular. De acordo com a Sociedade Internacional de Transfusão Sanguínea (ISBT – International Society of Blood Transfusion), os antígenos eritrocitários podem ser divididos em 30 sistemas, seis coleções e duas séries de grupos sanguíneos. 
Cada sistema de grupo sanguíneo compreende um conjunto de antígenos codificados ou regulados por um ou mais genes homólogos, que ficam próximos entre si, de modo a não sofrerem recombinação. Ou seja, os genes que compõem dado sistema estão ligados e são herdados em conjunto por haplótipo, embora genes pertencentes a grupos diferentes sejam segregados de forma independente na meiose. Os grupos sanguíneos também diferem entre si quanto ao produto de seus genes. Enquanto em alguns grupos os genes codificam diretamente o antígeno eritrocitário, em outros, os genes codificam enzimas transferases responsáveis por sintetizar o antígeno. Na prática transfusional, dois sistemas se destacam devido à alta imunogenicidade: o sistema ABO e o sistema Rh, sobre os quais discutiremos a seguir.

Sistema ABO

Descrito em 1900 pelo médico austríaco Karl Landstein, o sistema ABO é, na verdade, um sistema de histocompatibilidade, uma vez que seus antígenos são expressos em vários tecidos e, portanto, a compatibilidade nesse sistema também deve ser obedecida em transplantes de órgãos. Os antígenos ABO são oligossacarídeos formados pela adição sequencial de açúcares a um substrato básico pela ação de glicosiltransferases específicas. O substrato pode ser o paraglobosídeo tipo 1, encontrado nas secreções, ou tipo 2, encontrado na membrana das hemácias. A diferença entre eles está no resíduo de galactose terminal, unida à cadeia por meio de uma ligação β (1 → 3) no tipo 1 ou de uma ligação β (1 → 4) no tipo 2. 
A incorporação de uma L-fucose ao paraglobosídeo tipo 2 pela ação da α-2-L-fucosiltransferase forma o antígeno H. O gene para essa enzima, o FUT1 (ou gene H), está presente nas hemácias da maioria da população. Cerca de 80% dos indivíduos possuem, ainda, o gene FUT2 (ou Se secretor), responsável por codificar a transferase que adiciona uma L-fucose ao paraglobosídeo tipo 1. Os antígenos A e B, que dão nome ao sistema, são formados a partir da modificação do antígeno H por outras transferases. Enquanto o gene A codifica a α(1,3)N-acetilgalactosaminiltransferase, responsável pela adição de uma N-acetil-D-galactosamina ao antígeno H, o gene B codifica a α-3-galactosiltransferase, que adiciona uma galactose. Mutações nos genes A ou B podem gerar enzimas alteradas as quais resultam em produtos que diferem qualitativa ou quantitativamente dos antígenos A ou B originais. Um exemplo é o fenótipo A2 variante, comum em caucasianos. Nesse caso, o antígeno é quimicamente idêntico ao A, porém ligado a um número mais restrito de estruturas e encontrado em menor densidade na hemácia. O fenótipo O é resultado de mutações que silenciam completamente esses genes, levando à ausência total dos antígenos A e B, deixando o antígeno H inalterado. Como são expressos em codominância, indivíduos que herdam ambos os genes expressam tanto o antígeno A quanto o antígeno B, formando, portanto, o fenótipo AB.

Assimile

Existe um fenótipo raro resultante de mutações que silenciam completamente o gene H, originando o gene h. Quando, em homozigose, não ocorre a produção dos antígenos H, A ou B, o fenótipo é conhecido como Bombay ou falso O e indicado por Oh. O fenótipo para-Bombay (Ah, Bh ou ABh) é uma variante caracterizada pela expressão muito diminuída do antígeno H e, consequentemente, baixíssima expressão dos antígenos A, B ou AB.

Os antígenos ABO começam a ser expressos a partir da quinta semana de vida intrauterina, alcançando a expressão plena, com o maior número de sítios antigênicos, entre o segundo e o quarto ano de vida. Nos indivíduos que expressam o gene Se, esses antígenos ainda podem ser encontrados na saliva e em outros líquidos biológicos. 
Os anticorpos contra os antígenos do sistema ABO surgem entre 3 e 6 meses de idade, provavelmente em resposta a bactérias da microbiota que apresentam antígenos muito similares ao A e ao B. Em geral, são IgMs específicos para o tipo sanguíneo diferente daquele apresentado pelo indivíduo. Dessa forma, pessoas que expressam o antígeno A produzem anticorpos anti-B; aquelas que expressam o antígeno B, produzem anticorpos anti-A; pessoas com tipo sanguíneo O produzem ambos os anticorpos, anti-A e anti-B; e pessoas AB não os geram. Apesar de a frequência desses anticorpos diminuírem com a idade, ainda representam a principal barreira para a transfusão de sangue entre os indivíduos, pois, por fixarem complemento, podem desencadear uma reação hemolítica extrema quando em contato com hemácias que expressam o antígeno para o qual são específicos. 
A identificação do fenótipo de um indivíduo está relacionada à pesquisa do antígeno na hemácia (prova direta) e dos anticorpos presentes no soro (prova reversa). Na prova direta, ou globular (Beth Vincent), as hemácias a serem testadas são postas em contato com soros-teste (comerciais) conhecidos como anti-A, anti-B e anti-AB, separadamente. Na presença do antígeno respectivo, o soro-teste aglutinará as hemácias. Dessa forma, é definido se são do tipo A (aglutinam com anti-A e anti-AB), B (aglutinam com anti-B e anti-AB), AB (anti-A, anti-B e anti-AB) ou O (não há aglutinação). 
Já na prova reversa, ou sérica (Simonin), o soro do indivíduo a ser testado é posto em contato com hemácias-controle (comerciais) sabidamente do tipo A1 (não variante) ou do tipo B. A aglutinação apenas das hemácias A1 indica a presença de anticorpos anti-A no soro testado, observado em indivíduos com tipo sanguíneo B; a aglutinação apenas das hemácias B, indica a presença de anticorpos anti-B, como observado nos indivíduos com tipo sanguíneo A. A aglutinação de ambas as hemácias, indica a presença tanto de anti-A quanto de anti-B no soro, comum em indivíduos do tipo O. A não aglutinação neste teste, indica a ausência desses anticorpos, tal como observado em indivíduos AB.
Os fenótipos variantes podem apresentar resultados dissonantes nas provas direta e reversa e, portanto, precisam ser confirmados com reagentes adicionais. Hemácias do tipo A2 aglutinam com o soro-teste anti-A, porém, diferente de hemácias A1, não aglutinam com a lectina anti-A, uma molécula extraída da planta Dolichos biflorus, Indivíduos que apresentam essa variante podem produzir anticorpos anti-A1. Já nos indivíduos Bombay, os resultados tanto da prova direta quanto da reversa podem ser idênticos àqueles observados em indivíduos do tipo O. A correta identificação é obtida por meio da utilização de lecitinas extraídas das plantas Ulex europeus e Lotus tetragonolobus, que aglutinam apenas hemácias que expressam o antígeno H. Adicionalmente, pode-se pesquisar pela presença de anticorpos anti-H normalmente encontrados no soro de indivíduos Bombay.
A presença dos anticorpos hemolíticos contra antígenos do sistema ABO levou à definição de uma regra básica na transfusão de sangue: não se deve transfundir hemácias que expressam antígenos que possam ser reconhecidos por anticorpos presentes no soro do receptor. Dessa forma, a transfusão deve ocorrer sempre entre isogrupos ou, excepcionalmente, entre heterogrupos, respeitando a ordem a seguir:
•  Grupo O → Grupos A, B, O ou AB.
•  Grupo A → Grupos A ou AB.
•  Grupo B → Grupos B ou AB. 
•  Grupo AB → Grupo AB.
É válido ressaltar que, devido à ausência dos antígenos A, B e H nas suas hemácias e à presença de anticorpos contra tais antígenos no soro, indivíduos Bombay só poderão receber transfusão de sangue de outros indivíduos Bombay.

Sistema Rh

O sistema Rh é considerado o mais complexo entre os demais grupos sanguíneos e o segundo em relação à importância na clínica transfusional, perdendo apenas para o sistema ABO. Essa complexidade está relacionada ao alto grau de polimorfismo, o maior entre os marcadores de membrana eritrocitária. 
O sistema Rh compreende 57 antígenos individuais, dentre os quais destacam-se: D, E, e, C e c. Esses antígenos representam domínios diferentes de duas proteínas similares codificadas pelos genes homólogos RHD e RHCE. O primeiro a ser descrito foi o mais imunogênico de todos, o antígeno D (também conhecido como Rho). A presença desse antígeno nas hemácias determina o fenótipo Rh positivo (ou D positivo), enquanto a sua ausência, determina o fenótipo Rh negativo (ou D negativo). O polimorfismo desse antígeno é resultado da presença ou da ausência do gene correspondente RHD. Dessa maneira, indivíduos Rh+ apresentam uma (Dd) ou duas (DD) cópias do gene, e os indivíduos Rh- não apresentam cópia alguma (dd).
Os indivíduos que expressam o antígeno D podem apresentar fenótipos variantes, que diferem do original quantitativa ou qualitativamente. O antígeno D fraco (ou Du), por exemplo, é resultado da baixa expressão da proteína D na membrana da hemácia. Esse fenótipo ocorre devido a mutações que levam à substituição de aminoácidos localizados na porção transmembrana ou citoplasmática, dificultando a integração com a membrana plasmática ou ancoragem da molécula ao citoesqueleto. Já o fenótipo D parcial é referente ou à perda de alguns domínios da proteína D ou à substituição de parte da proteína D por uma correspondente da proteína CE. Em ambos os casos, ocorre a ausência de determinantes antigênicos na proteína D tornando-a diferente da original.

Assimile

Devido à grande importância clínica dos sistemas ABO e Rh, a classificação sanguínea baseia-se nos dois sistemas, com a descrição de ambos os antígenos. Ou seja, se um indivíduo apresenta o antígeno A e o antígeno D em suas hemácias, ele será classificado como A+. Se apresenta apenas o A, será classificado como A-. Assim, considerando os grupos principais temos: A+ ou A-; B+ ou B-; AB+ ou AB-; O+ ou O-. A tipagem de ambos os sistemas é prática imprescindível nos testes pré-transfusionais.

Os demais antígenos de maior relevância nesse sistema são aqueles formados pelos pares antitéticos C e c e E e e. Esses antígenos formam a proteína CE, homóloga à proteína D, porém menos imunogênica. Como os genes que os codificam estão muito próximos do cromossomo 1, são herdados em conjunto, o que possibilita uma combinação diversa de genótipos por haplótipo, a saber: DCe, dce, DcE, Dce, dCe, dcE, DCE, dCE. A ausência de todos esses antígenos resulta no fenótipo D nulo (Rhnull), decorrente, em geral, de uma mutação no gene RHAG (RH Associated Glycoprotein – Glicoproteína associada ao RH) localizado no cromossomo 6. Indivíduos Rhnull apresentam síndrome hemolítica leve, aumento da fragilidade osmótica das hemácias, alterações no transporte de íons pela membrana e estomatocitose. 
A maioria dos anticorpos anti-Rh não são de ocorrência natural e resultam praticamente da aloimunização de indivíduos seja por transfusão sanguínea, seja, no caso das mulheres, também por gravidez. Inicialmente, os anticorpos produzidos tendem a ser do tipo IgM, mas, por serem antígenos proteicos, e, portanto, T-dependentes, ocorre a troca de isotipo, levando ao predomínio de IgG1 ou IgG3. A presença desses anticorpos no receptor pode levar a uma reação hemolítica grave caso seja transfundido com hemácias Rh+.

Exemplificando

As anemias hemolíticas decorrem da ruptura das hemácias ou da retirada precoce dessas células da circulação. Entre os diferentes subtipos, a Eritroblastose Fetal se destaca, pois resulta da incompatibilidade sanguínea entre a mãe e o feto. Em toda gravidez é comum uma certa quantidade de hemácias fetais mover-se pela placenta para a circulação da mãe. Em mulheres Rh negativas, durante a gestação de um feto Rh positivo, as hemácias fetais podem estimular produção de anticorpos IgG anti-D pela mãe. As complicações não aparecem na fase inicial de sensibilização, no entanto, em gestações subsequentes com fetos também Rh positivos, esses anticorpos podem atravessar a placenta e causar a lise das hemácias fetais. As gestantes não apresentam quaisquer sintomas, contudo, no feto, ocorre hemólise levando à anemia intensa, hipoalbuminemia, elevação de bilirrubina e seu acúmulo em tecidos importantes, como o cérebro, pode causar insuficiência cardíaca e, inclusive, morte fetal. Durante um tempo, a medula óssea do feto tenta repor as hemácias que estão sendo perdidas e acaba mandando para o sangue periférico células precursoras das hemácias, os chamados eritroblastos, daí o nome da doença. 
Uma forma de prevenir esse quadro é a administração da imunoglobulina anti-Rho (D) à mulher em até 72h após o término da gestação, seja parto ou aborto. A vacina Rho, como é popularmente chamada, visa neutralizar as hemácias fetais Rh+ circulantes no sangue materno, a fim de diminuir a exposição e a produção de mais anticorpos pela mulher. Incompatibilidade em outros componentes do sistema Rh como o Ee ou Cc e antígenos de outros sistemas de antígenos eritrocitários como Kell, Duffy, Kidd, MNS, Lutheran, Diego, entre outros, também podem, em menor frequência, ser a causa de eritroblastose fetal ou doença hemolítica do recém-nascido. 

reflita

Você acabou de ver que incompatibilidade Rh entre a mãe e o feto são a causa da eritroblastose fetal. No entanto, a incompatibilidade ABO entre a mãe e o feto não costuma causar tal quadro, apesar da possível presença dos anticorpos naturais contra antígenos desse sistema. Você saberia dizer o porquê? Uma dica: olhe para os tipos de anticorpos produzidos contra antígenos de cada sistema.

A identificação dos antígenos Rh pode ser realizada por tipagem direta, utilizando antissoros (comerciais) específicos, tal como o soro anti-D, para determinação do fenótipo Rh+, soro anti-C, anti-E e assim por diante. Mas atenção: hemácias de indivíduos com fenótipo D fraco podem não aglutinar com o soro anti-D. Para resolver essa questão, é comum usar o soro de Coombs, também conhecido como Antiglobulina Humana (AGH). Esse soro é obtido pela imunização de animais, normalmente cabra ou coelho, com anticorpos humanos ou anticorpos monoclonais, a fim de gerar um concentrado de anti-anticorpos humanos. Existem atualmente soros monoespecíficos (anti-IgG, anti-IgM ou anti-C3d) ou poliespecíficos (anti-IgG associado com anti-C3d) disponíveis comercialmente. Em contato com hemácias recobertas com anticorpos humanos, o soro de Coombs induz a aglutinação, que é visível a olho nu. 
Voltando à tipagem Rh em indivíduos D fraco, a baixa concentração do antígeno nas hemácias pode não resultar em uma aglutinação visível com o soro anti-D. Assim, recomenda-se incubar as hemácias a serem tipadas com o anti-D a 37 ºC por 15 minutos, seguido de três lavagens com solução salina e adição do soro de Coombs. A ocorrência de aglutinação macroscópica confirma o fenótipo Rh+ (embora seja um D fraco).

assimile

O soro de Coombs é uma das ferramentas mais valiosas na medicina transfusional, pois sua utilização em testes rápidos e de fácil execução permite detectar a presença de anticorpos contra antígenos eritrocitários que não induzem a aglutinação visível. 
No teste de Coombs direto (ou teste da Antiglobulina Direta – TAD), hemácias do paciente são colocadas diretamente em contato com o soro de Coombs. Caso as hemácias estejam revestidas por imunoglobulinas e/ou frações do sistema complemento, serão aglutinadas. Esse teste é usado na confirmação de reação transfusional hemolítica, anemia hemolítica medicamentosa e anemias hemolíticas auto ou aloimunes, inclusive para confirmação do diagnóstico de eritroblastose fetal, caso hemácias do feto sejam utilizadas no teste. 
Já no teste de Coombs indireto, ou TAI, testa-se o soro do paciente. O objetivo é verificar a presença de anticorpos contra antígenos eritrocitários na amostra. Para tanto, é realizada a incubação do soro com hemácias testes (comerciais) in vitro seguida de lavagens e de adição do soro de Coombs. A aglutinação das hemácias indica a presença desses anticorpos no soro do paciente. O teste de Coombs indireto é amplamente utilizado na prática imuno-hematológica, como na testagem do soro contra um painel de hemácias controles, na realização da prova cruzada entre soro do receptor e hemácias de um doador, na pesquisa de anticorpos irregulares e na pesquisa de anticorpos maternos contra antígenos eritrocitários fetais.

Além dos sistemas ABO e Rh, outros sistemas também podem levar à produção de anticorpos principalmente em indivíduos politransfundidos ou em mulheres multíparas. 
Como você pode perceber, os anticorpos específicos para os antígenos eritrocitários são extremamente importantes na clínica transfusional. Devido à sua diversidade de isotipo, de especificidade e de comportamento em situações fisiológicas e em testes pré-transfusionais, recebem uma nomenclatura especial, resumida no Quadro 4.1.

Quadro 4.1 | Classificação dos anticorpos específicos para antígenos eritrocitários
Classificação Isotipo predominante: IgM Isotipo predominante: IgG
De acordo com o estímulo. Natural: gerados pela exposição a antígenos da microbiota que possuem alta homologia a antígenos eritrocitários. 
1. Regular: sempre presente no soro dos indivíduos. P. ex.: anti-A e anti-B.
2. Irregular: presente apenas em alguns indivíduos. P. ex.: anti-Lewis a, anti-Lewis b. 
Imunes: gerados pela imunização prévia, seja por transfusão sanguínea, seja por gravidez. P. ex.: anti-D.
De acordo com a temperatura de reação. Anticorpos frios: reagem melhor em temperaturas baixas, cerca de 4 °C. P. ex.: anti-A, anti-B, anti-A, B.  Anticorpos quentes: reagem melhor em temperaturas próximas a 37 °C. P. ex.: anti-D, anti-K, anti-C, anti-E.
De acordo com o comportamento em testes imuno-hematológicos. Anticorpos completos (aglutinantes): promovem aglutinação de hemácias em meio salino à temperatura ambiente. Anticorpos incompletos (não aglutinantes): reagem como antígeno, porém não provocam aglutinação das hemácias em meio salino.
Fonte: elaborado pela autora.

No caso das transfusões sanguíneas, a presença dos anticorpos mencionados resulta em reações hemolíticas pós-transfusionais, classificadas de acordo com o tempo que levam para acontecer. As reações agudas ocorrem em até 24 horas após a transfusão, devido à rápida interação de aloanticorpos do receptor com as hemácias transfundidas, com consequente hemólise. A principal causa dessa reação é a incompatibilidade ABO e ocorre, principalmente, devido a erros processuais no ciclo da bolsa de sangue, como troca de amostras para tipagem sanguínea ou troca de bolsas no momento da transfusão.
Já nas reações hemolíticas tardias, as hemácias transfundidas sofrem hemólise após 2 a 21 dias na circulação do receptor. Em geral, essas reações ocorrem em indivíduos imunizados com transfusões anteriores. A demora na reação está relacionada aos títulos inicialmente baixos do aloanticorpo. Conforme os títulos vão aumentando, a destruição das hemácias torna-se mais intensa. 
Os sintomas clínicos associados às reações pós-transfusionais variam de leves a potencialmente fatais, a depender, principalmente, do mecanismo de hemólise. Na intravascular, predomina a fixação de complemento nas hemácias e a lise dentro dos vasos sanguíneos. A liberação de moléculas de perigo estimula uma resposta inflamatória sistêmica que leva à febre, à hipotensão, à ativação leucocitária, ao dano endotelial e à coagulação intravascular disseminada. Reações envolvendo hemólise extravascular são menos graves. Aqui, os anticorpos opsonizam as hemácias e estimulam sua retirada por macrófagos que compõem o sistema reticuloendotelial do baço. Outros sintomas como sudorese, dor torácica, náuseas, dispneia e hemoglobinúria somam-se aos sintomas mais frequentes. O monitoramento do paciente após a transfusão é essencial para evitar os quadros mais graves.
E assim terminamos nossa jornada! Esperamos que você tenha aproveitado imensamente. Boa sorte na construção do seu futuro e até a próxima!

Faça valer a pena

Questão 1

A transfusão de sangue revolucionou a medicina, pois permitiu a rápida recuperação de pacientes após uma hemorragia intensa e demonstrou ser um tratamento eficaz para inúmeras doenças que cursam com perda de componentes hematológicos. Uma das maiores limitações desse procedimento é a necessidade de compatibilidade entre o doador e o receptor. Ela se baseia, principalmente, em moléculas polimórficas encontradas na membrana plasmática das hemácias. A compatibilidade em dois sistemas é imprescindível para a transfusão entre duas pessoas: o sistema ABO e o sistema Rh.
Qual padrão de resultados você esperaria encontrar na prova direta e reversa ao testar o sangue de um indivíduo AB+? 

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Correto!

A letra A está incorreta, pois se trata do grupo A+; a letra C está incorreta, pois se trata do grupo B+; a letra D está incorreta, pois se trata do grupo AB-; a letra E está incorreta, pois se trata do grupo O-.

Tente novamente...

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Tente novamente...

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Tente novamente...

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Questão 2

O sistema Rh possui várias moléculas, dentre as quais se destaca uma conhecida como antígeno D. Um indivíduo pode apresentar ou não o antígeno D na superfície de suas hemácias, o que resulta nos fenótipos Rh positivo e Rh negativo, respectivamente.
Com base nos seus conhecimentos sobre identificação do sistema Rh por testagem direta, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas:
I.  A testagem de hemácias com o soro anti-D é uma prática comum para identificação do grupo Rh, porém pode apresentar resultados falso negativos.
PORQUE
II.  Indivíduos com o fenótipo Rh variante, conhecido como D fraco (Du), expressam baixas concentrações de antígeno D nas hemácias, que muitas vezes podem não aglutinar na presença de soro anti-D.
Enunciado: 
A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta.

Correto!

Hemácias com fenótipos variantes, como o D fraco ou D parcial, podem não aglutinar nos testes com soro anti-D devido à baixa frequência do antígeno na superfície da hemácia ou pela perda de determinantes antigênicos importantes respectivamente. Logo, as asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa da I.

Tente novamente...

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Questão 3

O Sistema ABO foi o primeiro sistema de grupos sanguíneos descrito em 1900 por Landsteiner, que descreveu os antígenos A, B e C (depois renomeado como O). Landsteiner descobriu que, misturando soro e hemácias de diferentes pessoas, poderiam ser definidos três grupos e, alguns anos após, Decastello descreveu o fenótipo AB. Em 1910, Von Dungern e Hirchfeld confirmaram que a herança genética do A e do B obedeciam às leis de Mendel, com a presença do A e do B como dominantes (BRASIL, 2014).
Sobre os antígenos do Sistema ABO, avalie as afirmativas a seguir:
I.  Indivíduos do grupo O não expressam o antígeno H na membrana de suas hemácias, logo só poderão receber transfusão de hemácias que também não o expressam.
II.  Indivíduos do grupo AB são considerados receptores universais, visto que podem ser transfundidos com hemácias de todos os demais grupos.
III.  Indivíduos do grupo A podem receber transfusões de sangue tanto de indivíduos A quanto de indivíduos AB.
IV.  Indivíduos do grupo O são considerados doadores universais e podem, portanto, doar sangue para indivíduos do grupo A, B, AB, O e Bombay.
Considerando o contexto, assinale a alternativa correta.

Tente novamente...

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Correto!

A primeira alternativa está incorreta, pois indivíduos do grupo O expressam o antígeno H, apenas não o modificam, como nos demais grupos. A afirmativa III está incorreta, pois indivíduos do grupo A produzem anticorpos anti-B que reagiriam com hemácias AB, logo não podem receber transfusões de doadores desse grupo. A afirmativa IV está incorreta, pois não podem doar sangue para indivíduos Bombay. O fenótipo Bombay não expressa o antígeno H, e indivíduos desse grupo produzem anticorpos anti-H, que reagiriam com hemácias do tipo O.

Tente novamente...

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Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Referências

BONIFÁCIO, S. L.; NOVARETTI, M. C. Z. Funções biológicas dos antígenos eritrocitários. Rev. Bras. Hematol. Hemoter., [S. l.], v. 31, n. 2, 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Hospitalar e de Urgência. Imuno hematologia laboratorial. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
OLIVEIRA, M. B. S. C.; RIBEIRO, F. C.; VIZZONI, A. G. Conceitos básicos e aplicados em imuno-hematologia. Rio de Janeiro: EPSJV. 2013.
VIZZONI, A. G. Fundamentos e técnicas em banco de sangue. São Paulo: Editora Saraiva, 2015. Disponível em: https://bit.ly/2TpLrM3. Acesso em: 7 jun. 2021.
ZAGO, M. A.; FALCÃO, R. P.; PASQUINI, R. Tratado de Hematologia. São Paulo: Editora Atheneu, 2013.

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