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Praticar para aprender
Nas seções anteriores, ao estudarmos as respostas imunológicas, constantemente nos deparamos com reações exacerbadas do sistema imune. Seja na resposta contra microrganismos, cujos mecanismos de evasão estimulam um quadro inflamatório intenso, seja na resposta decorrente da quebra na tolerância a antígenos próprios, que resulta no reconhecimento de moléculas do organismo como estranhas. Somado a isso, temos também respostas imunológicas iniciadas contra antígenos inofensivos, que, apesar de estranhos, não causariam danos ao hospedeiro. Essas respostas exageradas são coletivamente chamadas de hipersensibilidades e representam hoje um grande desafio para a prática clínica.
Divididas nos tipos I, II, III e IV, de acordo com os mecanismos imunopatológicos que predominam no desencadeamento das lesões, cada uma dessas hipersensibilidades será abordada ao longo desta seção e algumas das doenças elencadas ali serão exemplificadas.
Para contextualizar sua aprendizagem, vamos retomar a situação-problema da seção anterior, em que você, já formado, acabou de passar para o programa de mestrado em Imunologia Clínica. Ao chegar no laboratório onde irá desenvolver sua tese, sua orientadora sugeriu que conversasse com os demais alunos para conhecer melhor as linhas de pesquisa desenvolvidas ali.
A segunda aluna com a qual você conversou foi a Suelen, responsável por um projeto baseado no modelo de asma alérgica experimental. Os resultados obtidos por ela até o momento demonstravam que a suplementação da dieta de camundongos lactentes com a bactéria probiótica L. rhamnosus GG diminuía a intensidade dos episódios de asma quando eles ficavam adultos. A fim de tentar explicar o mecanismo por trás dessa melhora, ela analisou os linfonodos mesentéricos, drenantes do intestino, e os linfonodos peribronquiolares, drenantes do pulmão. Em todos encontrou um número bastante elevado de células T reguladoras quando comparado ao observado no grupo controle, não tratado com o probiótico. Com base no que estudou até aqui, você acha que as células reguladoras poderiam ser as responsáveis pelo efeito protetor?
Preparado para mais uma rodada de conhecimento? Então vamos juntos!
conceito-chave
Já foi discutido, ao longo das seções anteriores, que as respostas imunes são capazes de gerar danos teciduais e doenças. Coletivamente, tais reações são chamadas de hipersensibilidades, termo que veio da definição clínica da imunidade como sendo uma sensibilidade na qual o indivíduo, quando exposto a um antígeno, apresenta uma reação clinicamente detectável em encontros subsequentes. Diz-se, então, que o indivíduo é sensível ao antígeno. As hipersensibilidades seriam, portanto, respostas excessivas ou aberrantes contra determinados antígenos. As reações de hipersensibilidade podem ocorrer em duas situações: na resposta contra antígenos estranhos, sejam microrganismos, sejam moléculas ambientais não infecciosas, ou na resposta imune direcionada contra antígenos próprios. Sim, as doenças autoimunes que acabamos de estudar são consideradas reações de hipersensibilidade!
Independentemente do alvo, os mecanismos de injúria tecidual observados nas hipersensibilidades são os mesmos que aqueles usados para eliminar os patógenos infecciosos e incluem componentes inatos e adaptativos, como fagócitos, anticorpos, linfócitos T, além de outras células e mediadores inflamatórios. O problema que permeia esses quadros é que a resposta imune não é controlada de maneira apropriada, uma vez que o antígeno que a deflagrou é difícil ou impossível de eliminar, e o sistema imune acaba criando uma inflamação, a qual é retroalimentada por essa exposição contínua. Dessa forma, uma vez que a resposta imune patológica começa, é difícil contê-la, resultando em doenças crônicas e progressivamente debilitantes.
No início da década de 1960, Coombs e Gell classificaram as hipersensibilidades com base nos mecanismos imunológicos que predominam no início da injúria tecidual. Embora o entendimento a respeito da complexidade da resposta imune venha demonstrando que poucas doenças se encaixam perfeitamente nos grupos definidos por esses pesquisadores, a classificação ainda é útil para o entendimento dos diferentes mecanismos imunopatológicos. Assim, na hipersensibilidade do tipo I, ou imediata, a patologia depende da produção de IgE por linfócitos B estimulados por um perfil de resposta Th2 e a consequente liberação de mediadores inflamatórios por mastócitos. Anticorpos direcionados contra antígenos celulares ou teciduais podem ocasionar a morte celular e levar a disfuncionalidades no tecido afetado. Esse mecanismo predomina na hipersensibilidade do tipo II. A hipersensibilidade do tipo III acontece após a formação de imunocomplexos entre antígenos solúveis no plasma e anticorpos, com sua deposição em tecidos e vasos, resultando em uma desordem sistêmica. Por fim, a hipersensibilidade tipo IV depende da ativação de linfócitos T específicos para antígenos próprios ou estranhos em tecidos do hospedeiro. Em comum, todos os tipos de hipersensibilidade são respostas de memória, de modo que o quadro patológico não se desenvolve no primeiro contato com o antígeno, apenas em encontros posteriores.
Para entender melhor as características e fatores que predispõem os indivíduos a tais reações, falaremos separadamente de cada tipo.
Hipersensibilidade do tipo I
Abrange uma grande variedade de doenças humanas causadas por respostas imunes a antígenos ambientais que despertam um perfil de resposta Th2 com produção de IgE. Na fase efetora dessas respostas, mastócitos e eosinófilos são ativados e rapidamente liberam mediadores inflamatórios que aumentam a permeabilidade vascular, a vasodilatação, além da contração bronquial e dos músculos lisos viscerais. Como as reações iniciam minutos após o contato com o antígeno, também são chamadas de hipersensibilidade imediata. Após esse período inicial, uma resposta inflamatória mais lenta, chamada de reação de fase tardia, inicia-se e é caracterizada pelo acúmulo de neutrófilos, eosinófilos e macrófagos no tecido onde houve a reação imediata. O termo hipersensibilidade do tipo I é usado para descrever tanto a primeira quanto a segunda fases. Na clínica médica, essas reações são conhecidas como alergia ou atopia e os antígenos responsáveis pelo seu desencadeamento são os alérgenos.
O quadro se inicia quando um indivíduo atópico entra em contato pela primeira vez com o alérgeno e, por motivos ainda não totalmente esclarecidos, seu sistema imune inicia uma forte resposta adaptativa com o perfil Th2. Ainda nos órgãos linfoides secundários, a IL-4, produzida por células T foliculares, estimulam os linfócitos B a se diferenciarem em plasmócitos produtores de IgE. Esse anticorpo é um marcador clínico das alergias, uma vez que sua concentração no soro de indivíduos atópicos é muito superior se comparada a de indivíduos normais. Outras citocinas do perfil Th2 também colaboram para o quadro. A IL-4 e IL-13 estimulam a motilidade intestinal e a produção de muco, enquanto a IL-15 promove uma inflamação eosinofílica característica do quadro alérgico.
Assimile
Duas importantes características dos alérgenos influenciam no desenvolvimento da hipersensibilidade imediata. Em primeiro lugar, os indivíduos atópicos são expostos repetidamente aos alérgenos que, diferente dos microrganismos, não estimulam a resposta inata. Sem essa inflamação inicial, há uma baixa coestimulação dos linfócitos T CD4+, que acabam se diferenciando no perfil Th2. Em segundo lugar, a alergenicidade do antígeno está ligada à sua natureza química. Como a reação de hipersensibilidade imediata depende da participação das células T, apenas antígenos proteicos ou haptenos associados a proteínas são capazes de deflagrá-la. Além disso, é comum que os alérgenos apresentem peso molecular baixo, entre 5 e 70 KDa, e sejam estáveis, glicosilados e solúveis nos fluidos corporais. Entre os alérgenos mais comuns encontram-se pólen, poeira doméstica, pelos de animais, alguns alimentos e antibióticos penincilínicos.
Uma das células centrais nesse quadro é o mastócito, um tipo de granulócito localizado em diferentes tecidos. Existem dois subtipos de mastócitos que diferem entre si quanto ao conteúdo de seus grânulos. Aqueles localizados nas mucosas intestinal e aérea possuem sulfato de condroitina, triptase e pouca histamina. Já aqueles localizados nos tecidos conectivos, apresentam heparina, proteases neutras e grandes quantidades de histamina, uma amina vasoativa importante no desencadeamento dos sinais clínicos associados à reação imediata nos processos alérgicos. A ação da histamina depende do receptor ao qual ela se liga e em qual tecido esse receptor se encontra. A ligação a receptores do tipo H-1 nas células do músculo liso, por exemplo, induz vasoconstrição; já a ligação aos mesmos receptores encontrados nas células endoteliais aumenta a permeabilidade vascular. A ligação a receptores H-2 induz a secreção de muco e permeabilidade vascular na mucosa estomacal.
A função dos mastócitos na resposta imunológica depende justamente da liberação desses grânulos após sua estimulação, evento que se inicia, dentre outras formas, pela ligação de anticorpos IgE em receptores específicos localizados na membrana plasmática dessas células. A ativação também faz com que produzam e secretem citocinas inflamatórias e mediadores lipídicos.
Assimile
A síntese de mediadores lipídicos por mastócitos é controlada pela enzima citosólica fosfolipase A2. Quando ativada, medeia a hidrólise de fosfolipídios de membrana, gerando o ácido araquidônico, um substrato do qual derivam vários mediadores distintos. O principal mediador produzido pela metabolização do ácido araquidônico na via da ciclooxigenase é a prostaglandina D2 (PGD2), que atua nas células do músculo liso, promovendo a vasodilatação e a broncoconstrição, além de atuar na quimiotaxia de neutrófilos, favorecendo o acúmulo dessas células nos sítios inflamatórios. A via da lipoxigenase leva à formação de leucotrienos, em especial o LTC4 e os produtos de sua degradação, o LTD4 e o LTC4. Em conjunto, se ligam a receptores específicos no músculo liso, causando a broncoconstrição prolongada. O terceiro tipo de mediador lipídico também gerado pela hidrólise de fosfolipídios de membrana é o Fator Ativador de Plaqueta (PAF) e, da mesma forma que os demais mediadores, causa broncoconstrição direta e favorece a retração das células endoteliais, relaxando o músculo liso vascular.
Resumindo o exposto até aqui, podemos dizer que o primeiro encontro do indivíduo atópico com o alérgeno leva à geração de anticorpos IgE alérgeno-específicos, que são capazes de se ligar com alta afinidade a receptores Fc expressos por mastócitos. Esse processo é chamado de sensibilização, pois torna os mastócitos sensíveis à ativação por encontros subsequentes mesmo com pequeníssimas quantidades do alérgeno. Nos indivíduos normais, não atópicos, os anticorpos IgE associados aos mastócitos são específicos para alvos diferentes, de modo que exposições posteriores a tais antígenos são insuficientes para causar reações de hipersensibilidade imediata nesses indivíduos.
Nos contatos posteriores com o alérgeno, os mastócitos são rapidamente ativados e liberam o conteúdo de seus grânulos. Quais mastócitos serão ativados na resposta dependerá da rota de entrada do alérgeno. Por exemplo, os inalados ativam os mastócitos localizados na submucosa brônquica, enquanto os ingeridos ativam mastócitos da parede intestinal. Já os alérgenos que passam para o sangue após a absorção intestinal ou injeção direta resultam em ativação sistêmica dos mastócitos. Dessa forma, as reações de hipersensibilidade imediata apresentam características clínicas e patológicas distintas, baseadas não apenas em quais mastócitos são ativados, mas também no número das células ativadas e nos mediadores inflamatórios que secretam. Algumas manifestações mais leves, como a rinite alérgica, são reações a alérgenos inalados. Mastócitos na mucosa nasal produzem histamina e os linfócitos Th2 secretam IL-13; ambos os mediadores aumentam a produção de muco e estimulam uma reação de fase tardia prolongada, fazendo com que os pacientes apresentem tosse, coriza, espirros e dificuldade de respirar.
Nas alergias alimentares, os mastócitos ativados também liberam histamina e outros mediadores, que levam a edema tecidual, prurido, inchaço oro faríngico e aumento do peristaltismo, ocasionando vômitos e diarreias.
Reações na pele também são bastante comuns. Na urticária, o contato da pele com o alérgeno ou a sua distribuição sistêmica faz com que se formem placas vermelhas e inchadas em resposta à liberação de histamina. Já na dermatite atópica, também conhecida como eczema, o contato local com o alérgeno induz uma reação de fase tardia, que culmina na formação de lesões edematosas ou placas escamosas que podem ser exsudativas.
A asma é outro exemplo de hipersensibilidade do tipo I, caracterizada por dificuldade respiratória, tosse e respiração ofegante. A causa mais comum de asma é a alergia respiratória, na qual alérgenos inalados estimulam os mastócitos bronquiais a secretarem vários tipos de mediadores, entre eles os leucotrienos, causando a constrição brônquica e a obstrução do fluxo de ar nos pulmões. Na asma crônica, há o acúmulo de eosinófilos na mucosa dos brônquios e secreção excessiva de muco. É comum observar a hipertrofia dos músculos lisos bronquiais e hiper-reatividade a vários estímulos. Existem casos de asma não relacionados à produção de IgE, como aqueles associados ao frio ou ao exercício extremo. No entanto, o mecanismo que induz a hipersensibilidade nesses casos é desconhecido. Por fim, o quadro mais grave associado a esse tipo de hipersensibilidade é a anafilaxia, uma reação sistêmica, caracterizada por edema em vários tecidos, incluindo a laringe, acompanhada de queda na pressão sanguínea e bronco-constrição. O quadro é causado pela degranulação sistêmica de mastócitos em resposta à distribuição do alérgeno pelo corpo. Os alérgenos mais frequentemente associados a reações desse tipo são o ferrão de abelhas, antibióticos (injetados ou ingeridos) da família da penicilina, além de antígenos alimentares como proteínas do amendoim e de frutos do mar.
O tratamento das hipersensibilidades imediatas se baseia na inibição da degranulação dos mastócitos, ou em antagonizar os mediadores inflamatórios produzidos por essas células, ou ainda em estimular células T reguladoras. Assim, as drogas mais comuns utilizadas são os anti-histamínicos, que bloqueiam a ligação da histamina nos seus receptores, usados nos casos de rinite e sinusite; os agonistas beta-adrenérgicos e corticoides para relaxar o músculo liso bronquial e reduzir a inflamação das vias aéreas na asma; e epinefrina usada para contrair o músculo liso vascular, aumentar o débito cardíaco e inibir a contração do músculo liso bronquial na anafilaxia. Outros medicamentos incluem anticorpos monoclonais que neutralizam o IgE ou as citocinas que medeiam a inflamação Th2. Alguns indivíduos atópicos também se beneficiam da administração contínua de doses crescentes do alérgeno, chamada de desensibilização ou imunoterapia alérgeno-específica. Acredita-se que esse tratamento estimule uma mudança no padrão de resposta para outro, que não Th2, ou ainda que leve à geração de células T reguladoras.
Mas afinal de contas, o que faz um indivíduo ser alérgico? Além de fatores ambientais, como pouca exposição a microrganismos na primeira infância e ao tipo de microbiota associada às mucosas intestinal e epitelial, diversos estudos familiares mostram que existe uma transmissão hereditária autossômica da atopia, embora o padrão das doenças seja variável mesmo entre indivíduos de uma família. Ou seja, o tipo de alergia e sua intensidade diferem entre os membros da mesma linhagem. Estudos genéticos identificaram um locus para a suscetibilidade atópica no cromossomo 5, próximo aos genes codificantes para as citocinas IL-4, IL-5 e IL-13. Polimorfismos no gene para IL-13 ou para seu receptor também são associados à asma. Mutações hipomórficas no gene para filagrina, um componente do invólucro celular cornificado produzido pela diferenciação dos queratinócitos encontrados na pele e no esôfago, aumentam o risco para sensibilização a alérgenos.
Exemplificando
Como as reações de hipersensibilidade imediata ainda não têm cura, uma forma de minimizar os danos é identificar o alérgeno que a deflagra a fim de evitar o contato com ele. Para tanto, podemos citar os testes sorológicos para IgE-específico, por meio dos quais se busca identificar a especificidade dos anticorpos produzidos pelo paciente. Já no teste cutâneo (skin-prick test - SPT), uma área do antebraço, ou das costas, é dividida em pequenos quadrados. Em cada um deles, a camada mais externa da pele é perfurada para inoculação de uma quantidade muito pequena de alérgenos diferentes. Após alguns minutos, poderá aparecer uma mancha vermelha e haverá a formação de um pequeno edema apenas no quadrado onde o alérgeno para o qual o paciente apresenta IgE específica foi inoculado. Por fim, existem os testes de provocação oral ou respiratória, que se baseiam na ingestão ou inalação de quantidades crescentes do alérgeno para o qual há suspeita. A cada dose, o paciente é monitorado de perto quanto ao aparecimento de qualquer sintoma clínico relacionado à reação imediata. Geralmente esse exame é realizado em uma unidade médica especializada.
Hipersensibilidade do tipo II
As reações de hipersensibilidade do tipo II são causadas pela presença de anticorpos, em geral autoanticorpos do tipo IgG, direcionados para antígenos presentes nas células ou componentes da matriz extracelular. A deposição de anticorpos nos tecidos que expressam tais antígenos pode culminar em quadros distintos, os quais variam de acordo com o efeito dessa deposição e com os tecidos são afetados. Há doenças em que predomina a inflamação local, onde anticorpos das subclasses IgG1 e IgG3 ligam-se a neutrófilos e a macrófagos via receptores para porção Fc e ativam esses leucócitos. Os mesmos subtipos de IgG também são capazes de ativar a via clássica do sistema complemento. Em conjunto, essas ações resultam em inflamação e dano tecidual, tal como podemos observar na glomerulonefrite autoimune, ocasionada por anticorpos direcionados para a membrana basal dos glomérulos renais.
Já na doença conhecida como Pemphigus vulgaris (fogo selvagem), autoanticorpos específicos para a caderina epidermal, uma proteína que compõe as junções intercerlulares do epitélio, desfazem a ligação entre células adjacentes, levando à formação de bolhas na pele. A tireoidite de Hashimoto, um quadro de hipotiroidismo decorrente de anticorpos contra antígenos da tireoide, também é um exemplo de doença que apresenta o mesmo mecanismo fisiopatológico.
A opsonização de células, como hemácias e neutrófilos ou mesmo plaquetas, é outro efeito relacionado à hipersensibilidade do tipo II. A opsonização faz com que sejam fagocitadas por macrófagos formadores do sistema retículo endotelial localizado no baço. A anemia hemolítica autoimune e a trombocitopenia autoimune são consequências desse reconhecimento. Por fim, alguns anticorpos podem causar doença sem diretamente induzir a injúria tecidual. Na miastenia gravis, anticorpos contra o receptor de acetilcolina inibem a transmissão neuromuscular, causando paralisia. Na anemia perniciosa, são gerados anticorpos específicos para o fator intrínseco, necessário para a absorção de vitamina B12 da dieta, levando a uma doença sistêmica devido à falta desta vitamina. Na doença de Graves, anticorpos específicos para o receptor do hormônio estimulador da tireoide (TSH) induzem a tireoide a produzir quantidades acima do normal de T4 e T3, resultando em hipertiroidismo.
Em alguns indivíduos, certos fármacos se comportam como haptenos e se ligam a proteínas de membrana de células como hemácias, granulócitos ou plaquetas, induzindo a formação de anticorpos. A ligação dos anticorpos a esses complexos resulta em citotoxicidade e é o mecanismo fisiopatológico que predomina na anemia hemolítica induzida por fármacos, na trombocitopenia induzida por fármacos ou ainda na agranulocitose. Os fármacos mais comumente associados a esses quadros são o antibiótico cloranfenicol, o analgésico fenacetina e o tranquilizante clorpromazina.
A terapia para essas doenças se baseia principalmente em limitar a inflamação e o dano tecidual através da utilização de corticoides. Nos casos mais severos, a plasmaférese é aplicada para diminuir os níveis de anticorpos circulantes. Anticorpos monoclonais anti-CD20, molécula expressa em linfócitos B maduros, ajudam na depleção dessas células e têm se mostrado úteis no tratamento de alguns desses quadros.
Hipersensibilidade do tipo III
As hipersensibilidades do tipo III são caracterizadas pela presença de imunocomplexos formados entre anticorpos e antígenos solúveis. Embora a formação desses imunocomplexos aconteça durante uma resposta imune normal, a produção de quantidades excessivas ou a remoção ineficiente por parte dos fagócitos pode favorecer a deposição em vasos sanguíneos e outros tecidos onde estimulam a inflamação.
Complexos contendo antígenos carregados positivamente são particularmente patogênicos, uma vez que são atraídos por componentes de carga negativa encontrados na membrana basal de vasos e do glomérulo renal. Uma vez depositados, a porção Fc dos anticorpos ativa o sistema complemento e liga-se a receptores específicos em neutrófilos, ativando essas células a liberarem proteases e espécimes reativos de oxigênio. Uma reação inflamatória como essa, direcionada para a parede dos vasos, é conhecida como vasculite e pode resultar em hemorragia ou trombose com consequente isquemia tecidual. Como a deposição dos imunocomplexos pode ocorrer em qualquer ponto do corpo, temos doenças sistêmicas associadas a esse tipo de hipersensibilidade. Um exemplo é o lúpus eritematoso sistêmico, em que anticorpos direcionados contra componentes nucleares, como DNA e histonas, levam à formação de complexos cuja deposição leva à nefrite, à artrite e à vasculite generalizada.
Muitos anticorpos envolvidos na fisiopatologia da hipersensibilidade do tipo III foram gerados contra antígenos de microrganismos durante uma resposta imune normal. No entanto, similaridades estruturais com antígenos do hospedeiro facilitam o reconhecimento cruzado de antígenos próprios, tal como nos casos de febre reumática pós-infecção por cepas beta-hemolíticas de estreptococos.
Os imunocomplexos não envolvem apenas anticorpos direcionados a antígenos próprios. Na doença do soro, por exemplo, um indivíduo imunizado com proteínas séricas heterólogas pode gerar uma grande quantidade de imunocomplexos em exposições subsequentes a essas proteínas. Como resultado, há o aparecimento de febre, rash cutâneo, artrite, artralgia e outros sintomas sistêmicos. Esse quadro é observado em pacientes que receberam mais de uma vez o soro antiofídico, composto por anticorpos equinos, para neutralizar toxinas do veneno de cobras. Já a reação de Arthus é induzida pela administração subcutânea de antígenos proteicos em indivíduos previamente imunizados com esses antígenos e resulta na deposição de imunocomplexos e em vasculite no local da aplicação. Essa reação pode ocorrer em uma pequena parcela de indivíduos que tomam vacina contra determinado antígeno para o qual já tenham sido vacinados ou já tenham entrado em contato.
Hipersensibilidade do tipo IV
Nas hipersensibilidades do tipo IV, as células T desempenham um papel central, e são a causa do dano tecidual observado. São englobadas aqui as doenças autoimunes mediadas por células, como a diabetes mellitus tipo 1, resultado do ataque das células beta pancreáticas por linfócitos T citotóxicos, ou a esclerose múltipla, desencadeada por células T específicas para proteínas da mielina, levando à desmielinização de neurônios do sistema nervoso central e disfunções sensoriais e motoras.
A injúria tecidual observada em respostas exacerbadas contra antígenos também é considerada hipersensibilidade do tipo IV, como a formação do granuloma na infecção por M. tuberculosis ou a ativação policlonal estimulada por superantígenos em infecções bacterianas.
As citocinas produzidas por linfócitos TCD4+ também podem levar à inflamação local. É o que se observa nas reações de Hipersensibilidade Tardia (DTH), assim chamadas pois ocorrem entre 24 e 48h após um indivíduo previamente imunizado ser exposto a determinado antígeno. A demora na reação se deve ao tempo necessário para os linfócitos T deixarem a circulação e migrarem para o sítio de inoculação do antígeno. A DTH é caracterizada por um infiltrado de linfócitos T e macrófagos, no tecido, além de edema e deposição de fibrina causados pela permeabilidade vascular aumentada em resposta às citocinas produzidas pelos linfócitos.
Reflita
Nas sessões anteriores, já comentamos que uma reação desse tipo pode auxiliar no imunodiagnóstico de uma infecção. Você saberia dizer qual?
O tratamento de desordens mediadas por células T busca reduzir a inflamação e inibir a resposta dessas células. Nesse sentido, a utilização de corticoides é útil. Bloqueadores da via JAK3 iniciada por citocinas inflamatórias têm sido utilizados no tratamento de artrite reumatoide. E anticorpos monoclonais específicos para IL-17 são uma opção no tratamento de psoríase.
É valido ressaltar que descobertas recentes têm mostrado uma forte interação entre o sistema nervoso e o sistema imune, de modo que circuitos neurais são capazes de afetar as respostas inata e adaptativas. Um exemplo é a inibição da produção de citocinas pró-inflamatórias inatas, como o TNF, induzido pela ativação do nervo vago eferente. Alguns testes clínicos em desenvolvimento se baseiam justamente na estimulação desse nervo em pacientes com artrite reumatoide. Mas, atenção, o sistema imune também é capaz de influenciar funções nervosas. O desenvolvimento neuronal é regulado por produtos derivados do sistema complemento e por citocinas. Além disso, já foi descrita também a influência de determinadas citocinas em funções cognitivas como a memória e o comportamento social. Esse ainda é um campo novo, mas certamente o melhor entendimento dessa relação abrirá uma nova gama de tratamentos possíveis para as desregulações do sistema imune.
E assim terminamos mais uma seção! Parabéns por ter chegado até aqui!
Faça a valer a pena
Questão 1
Em determinadas circunstâncias, a resposta imunológica produz danos e algumas vezes resultados fatais. Estas reações deletérias são coletivamente conhecidas como hipersensibilidade. Os mecanismos celular e molecular destas reações são praticamente idênticos às respostas normais de defesa de um hospedeiro. Elas causam danos imunologicamente mediados ao hospedeiro pelo fato de serem reações exageradas a antígenos estranhos ou por serem reações inadequadas aos antígenos próprios.
Com relação aos mecanismos de hipersensibilidade, complete as lacunas da sentença a seguir.
A reações de hipersensibilidade tipo I dependem do reconhecimento do alérgeno por mastócitos sensibilizados com ____________ e a consequente degranulação dessas células. As reações de hipersensibilidade do tipo II são decorrentes do efeito ____________ de ____________ específicos para antígenos celulares. As reações de hipersensibilidade tipo III ocorrem devido ao excesso de ____________ que se depositam em vasos sanguíneos e tecidos. Por fim, as reações de hipersensibilidade tipo IV são as únicas que dependem inicialmente da participação de ____________.
Assinale a alternativa que completa as lacunas corretamente.
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
Correto!
A reações de hipersensibilidade tipo I dependem do reconhecimento do alérgeno por mastócitos sensibilizados com IgE e a consequente degranulação dessas células. As reações de hipersensibilidade do tipo II são decorrentes do efeito citopático de anticorpos específicos para antígenos celulares. As reações de hipersensibilidade tipo III ocorrem devido ao excesso de imunocomplexos que se depositam em vasos sanguíneos e tecidos. Por fim, as reações de hipersensibilidade tipo IV são as únicas que dependem inicialmente da participação de células T.
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
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Questão 2
Em um dos clássicos experimentos clínicos do último século, a base para as reações alérgicas foi mostrada como presente no soro. Esse é o tipo de experimento que certamente seria desaprovado hoje em dia, mas que, no início da década de 1920, permitiu a seus realizadores, Carl Prausnitz e Heinz Küstner, a honra de ter uma reação imunológica batizada com seus nomes. Na reação original de Prausnitz-Küstner, o soro foi separado do sangue de Küstner, um professor de obstetrícia e ginecologia que era alérgico a frutos do mar. Em seguida, esse soro foi injetado na pele do antebraço de Prausnitz, um homem previamente sem qualquer história de alergia. No dia seguinte, um extrato de frutos do mar foi injetado no mesmo local e, pela primeira vez em sua vida, Prausnitz teve um teste alérgico cutâneo positivo. O fator no soro responsável por essa reação foi denominado “reagina”.
Sobre as reações alérgicas, analise as afirmativas a seguir:
I. A anafilaxia é uma doença alérgica dependente de IgE, o que a caracteriza, portanto, como uma hipersensibilidade tipo II.
II. A reação imediata que ocorre segundos após o contato com o alérgeno é resultado da liberação de mediadores inflamatórios por neutrófilos sensibilizados com IgE alérgeno-específicos.
III. A reação de fase tardia, que ocorre entre 6 e 12h depois do contato com o alérgeno, é consequência da resposta Th2 estimulada por esse alérgeno.
IV. A histamina é o principal mediador inflamatório liberado na fase tardia das respostas alérgicas.
Considerando o contexto apresentado, assinale a alternativa correta.
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
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Correto!
A única afirmativa correta é a III. As demais apresentam erros conceituais. A afirmativa I está incorreta pois a anafilaxia é uma doença alérgica dependente de IgE, o que a caracteriza, portanto, como uma hipersensibilidade tipo I. Já a afirmativa II está incorreta, pois a reação imediata que ocorre segundos após o contato com o alérgeno é resultado da liberação de mediadores inflamatórios por mastócitos sensibilizados com IgE alérgeno-específicos. Finalmente a afirmativa IV está incorreta, pois a histamina é o principal mediador inflamatório liberado na fase imediata das respostas alérgicas.
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Questão 3
As hipersensibilidades correspondem a respostas excessivas ou aberrantes tanto contra antígenos estranhos, sejam microrganismos, sejam moléculas ambientais não infecciosas, quanto contra antígenos próprios. Podem ser divididas em quatro tipos de acordo com o mecanismo fisiopatológico que a desencadeia.
Na lista de doenças autoimunes a seguir, marque a alternativa que traz um exemplo de doença classificada como hipersensibilidade do tipo III.
Correto!
Para responder a essa questão corretamente, não é necessário decorar todas as doenças mencionadas, apenas se atentar para o mecanismo fisiopatológico descrito nas opções. Como as hipersensibilidades do tipo III são decorrentes do excesso de imunocomplexos e sua consequente deposição em tecidos, a letra a é a opção correta. As letras b e c são exemplos de hipersensibilidade do tipo II, a letra d é uma hipersensibilidade do tipo IV e a letra e, uma hipersensibilidade do tipo I.
Tente novamente...
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Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
Referências
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