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FOCO NO MERCADO DE TRABALHO

ERRO DE TIPO E DESCRIMINANTES PUTATIVAS

Francisco de Aguilar Menezes

Fonte: Shutterstock.

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sem medo de errar

Vamos buscar a solução para a situação-problema exposta nesta seção? Apresentou-se a você o seguinte caso: no dia em que ocorreu o acidente, Zé Pedrinha e João do Morro ficaram muito decepcionados com o fato de não terem conseguido furtar a casa de Beatriz, já que agora não sabem quando terão nova oportunidade. Para se distrair, combinaram de ir a uma famosa boate do Rio de Janeiro, conhecida pelas belas mulheres, por ter o funk como principal ritmo e por permitir somente a entrada de maiores de idade. Chegando lá, João do Morro conheceu Gabriela, uma jovem atraente, de cabelos longos, roupas curtas, salto alto, maquiagem forte e um corpo escultural. Após conversarem bastante e trocarem telefone, foram para um local reservado e mantiveram conjunção carnal de forma voluntária. Após quatro meses do ocorrido, João do Morro foi citado para responder à Ação Penal nº 5.000 movida pelo Ministério Público do estado do Rio de Janeiro em virtude da suposta prática do delito previsto no art. 217-A do CP (estupro de vulnerável). Nesse dia, João do Morro descobriu que Gabriela possuía apenas 13 anos na data do ocorrido. Como jurista, qual tese de defesa você poderá arguir para absolver João do Morro da suposta prática do crime de estupro de vulnerável? Você deverá compreender o estupro de vulnerável previsto no art. 217-A do CP, bem como o erro de tipo essencial escusável.

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Leia esta importante decisão sobre o crime de estupro de vulnerável: 
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Para o STJ, estupro de menos de 14 anos não admite relativização. Jusbrasil, 2014.

Para a configuração do crime de estupro de vulnerável1, é necessário que o agente saiba que a vítima é menor de 14 anos? O consentimento da vítima afasta a incidência do crime de estupro de vulnerável? Diante das circunstâncias, tinha como João do Morro saber que Gabriela era menor de 14 anos? É possível alegar erro de tipo? Se sim, caso tivesse mais cautela, João do Morro poderia ter evitado o erro? Quais são as consequências do erro de tipo invencível ou escusável? Como você analisa essas questões?
A resposta para este problema é relativamente simples. Embora o estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) esteja objetivamente tipificado, uma vez que João do Morro teve conjunção carnal com uma pessoa menor de 14 anos, não haverá crime, por ausência de tipicidade subjetiva. Isso porque é possível alegar erro de tipo essencial (art. 20 do CP), uma vez que o agente desconhecia a idade da vítima, que é elementar do tipo penal, o que está provado pelas circunstâncias do caso concreto. Note que, no caso em tela, pouco importa se o erro é evitável ou inevitável, pois não existe qualquer modalidade culposa em todo o Título VI do Código Penal. Assim, afastando-se o dolo, afasta-se também o fato típico e o próprio crime. Note que o caráter absoluto da vulnerabilidade da vítima (conforme estabelecido no art. 217-A do CP e na Súmula 523 do STJ) pouco tem a ver com as questões jurídicas aqui discutidas. Em que pese não ser possível discutir se a vítima, menor de 14 anos, era realmente vulnerável ou não, a tipicidade subjetiva, consubstanciada pela presença de dolo, ainda é necessária para a existência de fato típico. Assim, a tese da defesa é forte e, se bem amparada nas provas, levará a absolvição do réu.

1Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência
§ 2º (VETADO)
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (BRASIL, 1940, [s. p.])

Avançando na prática

Erro de tipo essencial

Jonas é caçador há cerca de dois anos. Certo dia, combinou com um amigo de caçarem juntos em uma selva conhecida pela multiplicidade de animais ferozes. Sozinho, Jonas escutou barulhos estranhos vindos de um arbusto, o qual balançava sem parar. Viu também um vulto no mesmo local. Como estava escuro, não teve visão ampla e, acreditando tratar-se de um animal feroz, disparou contra o arbusto. Em seguida, verificou que não se tratava de um animal, mas, sim, de seu amigo caçador, que queria lhe pregar uma peça. Jonas será responsabilizado criminalmente pela morte de seu amigo caçador?

Jonas não será responsabilizado penalmente, visto que incorreu em erro de tipo essencial escusável ou invencível. Isso porque ele acreditou que havia matado um animal (e não uma pessoa), incorrendo em erro na elementar do art. 121 do CP “alguém”. Ademais, considerando as circunstâncias (local conhecido pela multiplicidade de animais ferozes, escuro e barulhos atrás do arbusto), é possível aferir que qualquer pessoa com a diligência necessária teria incidido em erro, de modo que este será considerado invencível.

Lembre-se

A culpa é a exceção no ordenamento jurídico, de modo que deve estar prevista expressamente no tipo penal.

Faça você mesmo

Busato (2018 exemplifica a seguinte situação: A entrega uma arma para B e afirma que ela se encontra descarregada. A convence B a assustar C, disparando a arma vazia na direção deste. Ao fazê-lo, é expelido um projétil da arma, matando C. Conclui-se que B foi induzido em erro por A ao acreditar que a arma se encontrava descarregada. Não tinha a intenção de matar, mas, sim, de assustar C. 
Então, você consegue imaginar qual é a modalidade de erro que o autor trata no exemplo? Aberractio ictus ou erro provocado por terceiro?

Bons estudos!

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