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Convite ao estudo
Na Unidade 1, aprendemos sobre as origens e os fundamentos do Direito Penal a partir do objeto e da função ético-profissional. Para entendermos a função do Direito Penal no Estado Democrático de Direito, vimos os princípios penais limitadores, dentre eles, a irretroatividade da lei penal, a intervenção mínima, a subsidiariedade, a fragmentariedade, a insignificância, o ne bis in idem, a proporcionalidade, a culpabilidade, o in dubio pro reo, a taxatividade e a humanidade.
Aprofundamos o estudo do princípio da legalidade e de suas implicações como medida de segurança jurídica, conteúdo material e analogia da lei penal mais benigna, e conhecemos algumas importantes escolas penais, tudo isso sob o pano de fundo da história de Bruno e Tiago, jovens envolvidos no furto do celular de Antônio.
Agora, nesta unidade, vamos, juntamente com Júlio, enfrentar diversas situações da realidade profissional de um estagiário de escritório de advocacia, que se vê diante de diversos casos de clientes de sua professora Lívia, os quais requerem a aplicação da lei penal. Vamos realmente conhecer o que é infração e o que é crime, além de sua classificação, os sujeitos envolvidos e o critério temporal, a validade da lei penal e a sucessão de leis penais. Veremos ainda a lei penal no espaço: conheceremos o que é território para fins de aplicação das leis penais brasileiras e as hipóteses de ultraterritorialidade, de extraterritorialidade e de lugar do crime (teoria da ubiquidade). Apreendidos tais conceitos, estudaremos a responsabilidade penal e as teorias da conduta, em especial o finalismo.
Vamos lá?
praticar para aprender
Caro aluno,
Na seção anterior, você concluiu os estudos da Unidade 1 e aprendeu a diferença entre os crimes/delitos e as contravenções, que são espécies do gênero infração penal. Também foi possível entender os critérios que diferenciam o sujeito ativo do sujeito passivo quando da prática de uma infração penal. Além disso, a última seção tratou do importante tema da vigência e da revogação da lei penal e da aplicabilidade das leis excepcionais e temporárias, que estão previstas no art. 3° do Código Penal (CP) e que possuem como características a autorrevogação e a ultratividade.
Esta nova seção abordará assuntos igualmente relevantes em matéria penal: a combinação de leis penais; o tempo do crime, ou seja, em qual momento considera-se praticada a infração penal; os preceitos que se aplicam quando se estabelece um conflito entre duas ou mais normas de natureza penal; e, por fim, as regras para contagem do prazo penal.
Foi apresentada a você, na última seção, uma situação geradora de aprendizagem (SGA) que o incitava a ajudar Beatriz a descobrir qual tipo de infração penal seus clientes praticaram (crime ou contravenção) e se eram sujeitos ativos ou passivos do furto do celular de Antônio.
Considerando que a pena prevista para o furto qualificado pelo concurso de agentes, ou seja, praticado em conjunto e com igualdade de desígnios, é de reclusão de dois a oito anos e de multa (art. 155, § 4° do CP), Beatriz chegou à conclusão de que Bruno e Tiago praticaram um crime e não uma contravenção, pois esta, como visto, só admite prisão simples. Igualmente, Bruno e Tiago são os sujeitos ativos do crime, pois praticaram a conduta de subtrair coisa alheia móvel. Por sua vez, Antônio é o sujeito passivo, ou seja, a vítima do ato delituoso praticado e também quem sofreu o dano decorrente da conduta.
Com a resolução dessa situação-problema, você encerrou os estudos da primeira unidade do livro didático, em que lhe foram apresentadas quatro situações-problema enfrentadas por Beatriz, uma advogada recém-aprovada no exame de ordem, no início da prática profissional. Assim, é chegada a hora de você conhecer a nova situação geradora aprendizagem, que o guiará na resolução das quatro situações-problema desta Unidade 2.
Júlio sempre frequentou escolas públicas e, desde pequeno, foi um aluno exemplar, provavelmente em razão do incentivo constante de seus pais, que não tiveram condições de estudar, mas que gostariam de ver o filho trilhando um caminho diferente, com mais oportunidades. Quando lhe perguntavam qual vestibular prestaria, Júlio respondia, sem titubear, que seu sonho era fazer o curso de Direito. A escola de Júlio foi convidada para participar do giro de profissões da Faculdade Pitágoras, um evento vocacional que possibilita aos alunos do ensino médio conhecer um pouco do lado prático de cada profissão. Na oportunidade, Júlio efetuou sua inscrição para o vestibular, a fim de testar seus conhecimentos. Para sua surpresa, foi aprovado em 1° lugar e ganhou uma bolsa integral. Imagine a alegria dele e o orgulho de seus pais! O rapaz iniciou, então, o curso e desde logo se mostrou um aluno muito dedicado e com grandes perspectivas. Embora Júlio tivesse concluído apenas o primeiro semestre do curso, a professora Lívia, observando seu potencial, convidou-o para estagiar em seu escritório, especializado em causas criminais. Este é o desafio de Júlio: enfrentar situações-problema da realidade profissional concomitantemente aos estudos iniciais de direito penal no segundo semestre do curso.
Diante disso, apresento a você a primeira situação-problema (SP) desta unidade: em seu primeiro dia como estagiário, a professora Lívia pediu a Júlio que analisasse a situação de um cliente chamado Felipe e que lhe apresentasse a solução para ela. Na pasta do cliente consta uma anotação dizendo que o Código Penal só admite a responsabilização pela prática de uma infração penal do agente maior de 18 anos. Ocorre que Felipe alega ter sido preso em flagrante por tráfico de drogas exatamente no dia em que atingiu a maioridade, uma hora antes de completar 18 anos, segundo o horário constante da certidão de nascimento. Logo, caro aluno, seu desafio é ajudar Júlio a descobrir se Felipe é responsável penalmente ou não.
Para solucionar a situação-problema você precisará:
1. Compreender os conceitos aplicáveis ao tempo do crime.
2. Identificar qual lei determina a idade das pessoas e se é aplicável na responsabilidade penal.
Agora que você conheceu a nova situação-problema proposta, aprofunde seus conhecimentos teóricos, pois eles o auxiliarão a solucionar o desafio.
conceito-chave
Inicialmente, cumpre relembrar alguns pontos estudados quanto ao princípio da aplicação da lei penal mais favorável. Vamos lá?
Assimile
Tais conceitos são importantes quando a ação ou a omissão forem praticadas sob a vigência de uma lei X e o fato for submetido a julgamento perante uma lei Y. Qual lei será aplicada?
O art. 5°, inciso XL da Constituição Federal (CF) de 1988 dispõe que a lei penal não retroagirá, salvo se for para beneficiar o réu. Já o art. 2° do CP prevê que ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando, em virtude dela, a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Ainda, pelo parágrafo único tem-se que lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
Dos dispositivos supramencionados extraem-se os conceitos de irretroatividade da lei mais grave e de retroatividade benéfica.
Assimile
Súmula 611 do STF: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna” (STF, 1984, [s. p.]).
A regra é a de que se aplica ao fato a lei vigente no tempo da ação ou da omissão, conhecido pelo brocardo tempus regit actum. Dessa forma, a regra é que a lei penal não retroage.
No entanto, a regra da irretroatividade comporta uma exceção, consubstanciada no fato da lei posterior ser benéfica ao réu. Quando para beneficiá-lo, será possível a retroatividade da lei penal.
Exemplificando
No momento da realização de um fato, não havia lei prevendo tal ação como crime. Posteriormente, foi editada uma lei incriminando a referida conduta. Essa lei é irretroativa e alcançará somente os fatos praticados após a sua vigência – novatio legis incriminadora.
Se, quando realizado um fato, a lei previa uma pena de 3 a 6 anos e depois, quando prolatada a sentença, a lei que regia o mesmo fato previa uma pena de 4 a 8 anos, essa nova lei será irretroativa, tendo em vista que oferece situação mais gravosa para o réu – novatio legis in pejus.
Enquanto isso, se, quando realizado um fato, a lei previa uma pena de 1 a 3 anos e, posteriormente, tal lei foi abolida, nesse caso, ela será retroativa, tendo em vista que apresenta situação evidentemente mais favorável ao réu, alcançando, inclusive, os efeitos penais da sentença condenatória. Ressalte-se que os efeitos extrapenais permanecem – abolitio criminis.
Se, ao ser realizado um fato, a lei previa uma pena de 4 a 6 anos e, quando foi prolatada a sentença, essa lei que regia o mesmo fato previa uma pena de 1 a 3 anos, ela será retroativa, já que trouxe situação mais benéfica para o réu – novatio legis in mellius.
Pesquise mais
Que tal você pesquisar quais são os efeitos penais e extrapenais da sentença penal condenatória?
Combinação de leis
Imagine a seguinte situação: Antonieta praticou o crime X em 2001, sendo que tal conduta era punida pela lei A com pena de 3 a 6 anos de reclusão e com 5 a 25 dias-multa. Entretanto, na data da sentença, o mesmo fato cometido por Antonieta estava regido pela lei B com pena de 4 a 8 anos de reclusão e com 5 a 15 dias-multa. Será possível a combinação de leis a fim de reunir a parte mais benéfica ao réu de cada uma delas? Ou seja, é possível que a sentença prolatada leve em consideração a pena de reclusão da lei A (3 a 6 anos) e a pena de multa da lei B (5 a 15 dias-multa)?
Tal questão é controversa, surgindo, assim, as seguintes correntes:
• 1ª corrente: NÃO, pois, ao se criar uma terceira lei (lex tertia), o juiz estaria legislando. Assim, a separação entre os poderes seria violada.
• 2ª corrente: SIM, pois quem pode o mais pode o menos. Ou seja, se o juiz pode ignorar uma lei a fim de aplicar a mais benéfica ao réu, também poderá desconsiderar apenas parte dela. Ademais, o juiz estaria proporcionando apenas uma integração do ordenamento jurídico-penal, fazendo retroceder uma das normas criadas pelo poder legislativo. É a corrente majoritária na doutrina.
• 3ª corrente: NÃO, sendo facultado ao réu escolher a qual lei deseja ser submetido.
• 4ª corrente: NÃO, sendo certo que o juiz, ao verificar o caso concreto, aplique aquela que, no todo, é mais favorável ao réu sem, contudo, combiná-las. Essa é a posição adotada pelo STF.
Exemplificando
A Lei nº 6.368/76, antiga Lei de Drogas, previa, no art. 12, a pena de 3 a 15 anos para o tráfico de drogas, sem, contudo, consagrar a figura do tráfico privilegiado. A Lei nº 11.343/06 prevê, no art. 33, a pena de 5 a 15 anos para o tráfico de drogas, contendo, no parágrafo quarto, a figura do tráfico privilegiado. Sendo primário e possuidor de bons antecedentes e não havendo indícios de que o criminoso se dedica às atividades criminosas nem integra organização criminosa, sua pena poderá ser reduzida de 1/6 a 2/3.
Questiona-se: o agente que praticou o crime de tráfico de drogas sob a égide da Lei nº 6.368/76 terá direito à causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º da nova lei de drogas?
O STF, no Informativo nº 727, entendeu que é vedada a incidência da causa de diminuição do art. 33, §4º da Lei nº 11.343/06, combinada com as penas previstas na Lei nº 6.368/76 no tocante a crimes praticados durante a vigência dessa norma.
O STJ, nesse mesmo sentido, prolatou a súmula nº 501, que prevê que é cabível a aplicação retroativa da Lei nº 11.343/06 desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei nº 6.368/76, sendo vedada a combinação de leis.
Tempo do crime
Segundo o art. 4° do Código Penal:
“Tempo do crime
Art. 4º Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado” (BRASIL, 2017, p. 11, grifos do autor).
A partir da leitura do artigo 4° do Código Penal, reflita: em que momento se considera praticado o delito?
A resposta para essa pergunta depende da análise de três teorias que versam sobre o momento do crime. São elas:
• Teoria da atividade: considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão.
• Teoria do resultado (do evento ou do efeito): considera-se praticado o crime no momento do resultado.
• Teoria mista ou da ubiquidade (mista ou eclética): considera-se praticado o crime tanto no momento da ação ou da omissão, quanto no momento do resultado.
Como é possível perceber, no Brasil adotou-se a teoria da atividade, de modo que não importa o momento em que ocorreu o resultado, mas o momento da ação ou da omissão praticada pelo agente.
É importante saber que a Lei nº 9.099/95, aplicável no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, dispõe, em seu art. 63, que: “A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal”. Assim, o Juizado Especial Criminal (JECRIM) também adota, quanto ao lugar do crime, a teoria da atividade, ou seja, o local onde foi praticada a ação ou omissão.
Exemplificando
Imagine a seguinte situação: Alexandre, dois dias antes de completar os 18 anos, disparou um tiro de arma de fogo em direção a Carlita, que faleceu após uma semana. No momento em que praticou o crime, Alexandre era menor de idade, contudo, quando adveio o resultado, já havia alcançado a maioridade. Ele responderá como inimputável ou como imputável?
Alexandre responderá como inimputável, tendo em vista que se analisa o momento em que foi praticada a ação ou a omissão, consoante teoria da atividade adotada no Brasil.
Assimile
A jurisprudência vem entendendo que a maioridade penal se afere no dia em que o agente completou os 18 anos, isto é, no dia do nascimento, pouco importando a hora da natividade.
Ao tratar da prescrição dos crimes, que significa, em termos simplificados, a perda do direito de exercer a pretensão punitiva por parte do Estado em razão do decurso do tempo, o Código Penal optou por algumas exceções à regra da teoria da atividade. Segundo Capez (2014, p. 85): Em matéria prescricional adota-se a teoria do resultado, o que significa dizer que o lapso temporal para que o Estado exerça o jus puniendi começa a correr a partir da consumação do delito, e não do dia em que ocorreu a ação ou omissão. Nos termos do Código Penal: “art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: I - do dia em que o crime se consumou”.
Em se tratando de menor de 21 anos e levando em consideração a hipótese de redução do prazo prescricional em benefício do agente, aplica-se a teoria da atividade, ou seja, considera-se o momento da ação ou da omissão. Nos termos do Código Penal: “Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos” (BRASIL, 2017, p. 46, grifo do autor).
Por último, em sendo caso de crime contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes, o prazo prescricional inicia-se no dia em que a vítima completar 18 anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta ação penal por iniciativa de seus responsáveis. Nos termos do Código Penal:
Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
[...]
V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.
Conflito aparente de normas
O conflito aparente de normas ocorre quando, a uma mesma conduta, são aparentemente aplicáveis duas ou mais normas incriminadoras. Assim, o conflito é percebido no momento em que uma conduta se subsome a dois ou mais tipos penais (PRADO, 2019, p. 258). Os exemplos são simples. Quando alguém faz entrar no território nacional uma mercadoria proibida, pratica crime de contrabando (art. 334 do CP), contudo, quando o produto importado se adequa ao conceito de droga, a conduta se subsome ao crime do art. 33 da Lei nº 11.343/06. Perceba que, no entanto, droga não deixa de ser mercadoria proibida. Assim, a conduta de quem importa entorpecente, adéqua-se sempre a, pelo menos, dois tipos penais: contrabando e tráfico transnacional.
Não podemos, entretanto, concluir que a dupla criminalização é adequada ou aceitável, pois já tratamos do princípio ne bis in idem, que proíbe a mesma conduta de ser punida duas vezes pelo ordenamento jurídico.
Dessa forma, a doutrina desenvolveu quatro princípios que, juntos, podem resolver o conflito aparente de normas: especialidade, subsidiariedade, consunção e alternatividade (BITENCOURT, 2020, p. 270).

O critério da especialidade implica na máxima lex specialis derogat generali, que significa que a lei especial deve prevalecer sobre a lei geral, visto que trata aquela determinada situação. Por exemplo: o crime de infanticídio (art. 123 do CP) possui tudo o que o homicídio (art. 121 do CP) prevê, no entanto traz consigo alguns elementos a mais, específicos, tais como o estado puerperal, o fato da vítima tratar-se do próprio filho e da necessidade do crime ocorrer no parto ou logo após (PRADO, 2019, p. 260).
Outro exemplo do critério da especialidade é o feminicídio, incorporado ao art. 121 do Código Penal pela Lei nº 13.104/2015, que prevê que matar mulher, por razões da condição do sexo feminino, gera um crime qualificado, cuja pena é de 12 a 30 anos. Perceba, portanto, que matar mulher em contexto de violência de gênero também é “matar alguém” (elementares que perfazem o tipo penal de homicídio), porém a qualificadora possui elementos que especializam o delito, fazendo com que a tipificação incida apenas na figura qualificada do art. 121 § 2º, VI.
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
[...]
§ 2° Se o homicídio é cometido:
[...]
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
[...]
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Lembre-se
A norma especial pode descrever tanto uma sanção mais grave quanto mais leve que a norma geral. Ela é especial simplesmente porque foi elaborada para situações específicas e não por criminalizar situação mais ou menos grave.
No que se refere ao princípio da subsidiariedade, aplica-se a máxima lex primaria derogat subsidiariae, que importa na prevalência da lei primária sobre a subsidiária. Por primária entende-se a norma mais ampla, que descreve o fato integralmente, ao contrário da subsidiária, em que estará prevista apenas uma parte ou fase da infração penal e que consagra um grau de violação menor ao mesmo bem jurídico. Assim, a lei primária afasta a aplicação da lei subsidiaria, pois esta cabe dentro daquela. Exemplo: sequestro (art. 148 do CP) versus extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP).
É importante ter em mente que, para a aplicação do princípio da subsidiariedade, será necessário analisar o caso concreto.
Esse princípio comporta duas espécies, a subsidiariedade expressa ou tácita.
Expressa: a própria norma estabelece o seu caráter subsidiário, dispondo, geralmente, no corpo do texto a expressão “desde que o fato não constitua delito mais grave”, o que ocorre, por exemplo, no crime do art. 215-A, importunação sexual, acrescentado ao CP pela Lei nº 13.718/18, expressamente subsidiário ao delito de estupro do art. 213 do CP.
Tácita: a norma nada estabelece, no entanto, diante do caso concreto, verifica-se o seu caráter subsidiário, o que ocorre quando a norma subsidiária serve como elemento constitutivo, causa de aumento ou circunstância qualificadora da norma primária. Como exemplo, podemos citar o crime de explosão (art. 251 do CP), que é tacitamente subsidiário ao furto qualificado pelo emprego de explosivos (art. 155, § 4º-A, recentemente acrescido pela Lei nº 13.654/18 e transformado em crime hediondo pelo pacote anticrime).
Por sua vez, o princípio da consunção, cuja representação se dá com o termo lex consumens derogat consumptae, determina que o fato mais amplo e grave absorva os demais fatos menos amplos e menos gravosos, que seriam os atos de preparação, ou de execução, ou ainda de mero exaurimento.
Há quatro hipóteses em que se verifica a ocorrência da consunção:
Crime progressivo: o agente objetiva uma conduta decorrente de uma só vontade, porém, para alcançá-la, precisa praticar vários atos. Por exemplo: imagine um homicídio com emprego de arma de fogo em que o agente dispara 15 projéteis contra a vítima e apenas o último causa sua morte. Desse modo, os disparos anteriores configuram lesão corporal e não homicídio, resultado alcançado apenas com o último tiro.
Crime complexo: ocorre quando duas ou mais infrações penais autônomas se misturam e transformam-se em elementos do crime complexo. Por exemplo: latrocínio (art. 157, § 3 do CP), em que estão inclusos os crimes de roubo e de homicídio.
Progressão criminosa: inicialmente, o agente objetiva a consumação de um crime, porém, após alcançar o resultado, decide continuar e produz resultado mais grave. Ou seja, após produzir o resultado almejado, o agente é tomado por um novo desígnio. Por exemplo: o agente planeja, inicialmente, o estupro da vítima (art. 213 do CP) e, após a consumação da conjunção carnal, surge a intenção de matá-la (art. 121 do CP). Assim, o crime mais leve (estupro) será absorvido pelo mais grave (homicídio).
Antefatos impuníveis ou pós-fatos impuníveis: embora fujam de um estrito conflito aparente de normas, tendo em vista a pluralidade de condutas praticadas, a doutrina jurídica também atribui ao princípio da consunção a resolução por uma só punição aos atos preparatórios necessários à determinado crime, como a violação de domicílio, que será absorvida pelo delito de furto como antefato impunível. Também serão absorvidos os atos posteriores ao crime que sejam considerados normais exaurimentos deste, como a colocação em circulação da moeda falsificada ou a venda, a terceiro de boa-fé, do produto do furto. Nessas duas últimas situações, haverá pós-fato impunível.
Lembre-se
Cuidado para não confundir o princípio da consunção com o princípio da subsidiariedade!
• No princípio da consunção, é realizada a comparação dos fatos de modo a identificar o mais grave. Não há na consunção um fato único buscando se adequar, mas há vários fatos.
• Na subsidiariedade comparam-se as normas a partir do caso concreto.
Por último, o princípio da alternatividade não representa um princípio do conflito aparente de normas para grande parte da doutrina. Aplica-se quando uma única norma descreve várias condutas típicas, situação em que a prática de qualquer uma das condutas, ou de várias, implica na responsabilização por um só crime (BITENCOURT, 2020, p. 270). A esse tipo de norma dá-se o nome de tipos mistos alternativos, pois versam sobre delitos de ação múltipla ou variável. Exemplo: caput do art. 33 da Lei de Drogas e receptação (art. 180 do CP).
Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Receptação qualificada
§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. (BRASIL, 2017, p. 77, grifos do autor)
Assim, em razão do princípio da alternatividade, mesmo que o agente pratique mais de uma conduta prevista no tipo (por exemplo, adquirir, transportar e ocultar), responderá por apenas uma delas.
Reflita
No caso da alternatividade não há propriamente um conflito de normas, mas um conflito interno em uma única norma.
Especialidade: a lei especial prevalece sobre a lei geral. | Consunção: vários fatos, sendo que o mais amplo e grave absorve todos os demais fatos praticados. |
---|---|
Subsidiariedade: a norma subsidiária atua apenas no caso de não prevalência da norma geral (mais ampla). | Alternatividade: a norma prevê várias condutas, e praticando qualquer uma delas ou várias, o agente responderá por apenas um crime. |
Contagem do prazo penal
Prevê o Código Penal que:
Contagem de prazo
Art. 10. O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.
Frações não computáveis da pena
Art. 11. Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro.
Legislação especial
Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incri- minados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.
Para identificar se o prazo é penal ou processual penal, é necessário verificar se ele está relacionado ao direito de punir do Estado (prisão ou encarceramento, livramento condicional, sursis, prescrição, duração da pena, etc.). Sendo penal, o prazo terá como início o dia do começo, independentemente do horário. Igualmente, em se tratando de prazo penal, para o seu cômputo, não tem relevância se o início se deu em domingo ou feriado.
Se o Código Penal e o Código de Processo Penal (CPP) versarem sobre a mesma matéria, como é o caso da decadência (art. 103 do CP e art. 38 do CPP), aplica-se o prazo mais favorável ao réu, no caso o prazo penal.
O prazo penal pode ser suspenso (hipótese em que a contagem recomeça pelo tempo faltante) ou interrompido (hipótese em que a contagem se inicia novamente do primeiro dia).
Pesquise mais
Sugestões para aprofundar seus conhecimentos:
Para saber mais sobre a contagem de prazo, leia o art. 798, § 1°, do Código de Processo Penal.
UM ESTRANHO no ninho. Direção: Milos Forman. EUA: Fantasy films, 1976. 1 DVD (133 min). (Considerado um clássico, esse filme, estrelado por Jack Nicholson, conta a história de um prisioneiro que se passou por insano e, ao ser transferido para um manicômio judicial, incita os demais pacientes a se rebelarem contra as normas. Uma excelente reflexão sobre a imputabilidade penal).
Exemplificando
Vamos analisar a decisão a seguir e depois entender o que ocorreu:
Prazo de Contagem da Decadência – “Por se tratar de causa extintiva de punibilidade, o prazo para a contagem da decadência tem caráter penal, devendo, portanto, obedecer aos ditames do art. 10, do Código Penal”. (BRASIL, 1999, p. 102).
Como você aprendeu estudando a contagem dos prazos penais, para identificar o prazo, é necessário verificar se está relacionado ao direito de punir do Estado. No caso, o STJ reconheceu o caráter penal da decadência tendo em vista que se trata de matéria relacionada à extinção da punibilidade do agente.
Faça valer a pena
Questão 1
Pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime. Em termos bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta.
As assertivas a seguir retratam as aplicações do princípio da consunção. Analise-as e, em seguida, marque a opção correta.
I. Na progressão criminosa, após obter um resultado típico, o agente resolve ir além e acaba gerando um resultado mais grave. Nesse contexto, o sujeito ativo responderá apenas por um delito.
II. No antefato impunível, o agente pratica uma segunda conduta criminosa que é mero exaurimento da primeira.
III. Crime progressivo é aquele cuja execução passa necessariamente pelo cometimento de outras infrações penais que ficam absorvidas como delitos de passagem.
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Correto!
Na progressão criminosa, o agente, após produzir um resultado típico, gera novo resultado no mesmo contexto fático, devendo responder apenas pelo último. No antefato impunível, o agente pratica um crime como meio preparatório necessário para o delito fim, que será absorvido. Por fim, no crime progressivo, temos um tipo penal cuja execução passa necessariamente por outros tipos penais que serão absorvidos como delitos de passagem (por exemplo: o homicídio passa necessariamente pelo crime de lesão corporal).
Questão 2
Para a correta (e justa) aplicação da lei penal é imprescindível definir o tempo do crime, ou seja, quando um crime se considera praticado [...]. O momento do crime é também marco inicial para saber a lei que, em regra, vai reger o caso concreto, ganhando ainda mais importância no caso de sucessão de leis penais no tempo.
Marque a alternativa que indica a teoria adotada pelo Brasil quanto ao tempo do crime e sua consequência jurídica.
Correto!
A teoria da atividade é adotada pelo código penal no art. 4º. Segundo ele, o tempo do crime é definido pelo momento da ação ou da omissão, independentemente do momento do resultado. A teoria da ubiquidade define lugar do crime como o local da ação ou da omissão, bem como o local onde ocorreu ou ocorreria o resultado. A prescrição, no entanto, é definida pelo local da consumação.
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Questão 3
“A questão que aqui se põe é de se, na busca da retroatividade da lei mais benéfica, é possível a combinação entre aspectos positivos de uma lei e de outra, fazendo com que incida a retroação tão somente com referência ao aspecto que se afigura positivo” (BUSATO, 2018, p. 124).
A possibilidade de combinação de leis penais é um dos temas mais controvertidos entre doutrina e jurisprudência no que concerne à teoria da norma penal. Marque a alternativa que, atualmente, prevalece na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
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Correto!
A combinação de leis penais não é aceita, de forma geral, pelo judiciário, tendo em vista que este exercício geraria uma terceira lei, o que ofenderia a separação entre os poderes. Tal entendimento é perceptível no Informativo nº 727 do STF e é o fundamento da súmula nº 501 do STJ.
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Referências
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