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Fato típico: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade penal

Francisco de Aguilar Menezes

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praticar para aprender

Caro aluno,
Na seção anterior, você aprendeu sobre a lei penal no espaço com a consequente abordagem dos princípios da territorialidade (art. 5º do Código Penal) e extraterritorialidade (art. 7º também do Código Penal). Foi possível perceber que o Brasil adota a teoria da territorialidade mitigada, pois, embora a regra seja a aplicação da lei brasileira aos crimes cometidos em território nacional, é admitida, excepcionalmente, a utilização de lei penal estrangeira nos crimes praticados no território nacional quando assim previsto em tratados e em convenções internacionais. Também foram delimitadas as hipóteses em que não se aplica a lei penal brasileira a fatos cometidos em território nacional, tais como as imunidades diplomáticas, imunidades parlamentares por quaisquer de suas opiniões e palavras ou, por fim, inviolabilidade do advogado. Ademais, você descobriu as três mais importantes teorias acerca do lugar do crime, sendo que o Brasil adota a teoria mista (ou ubiquidade), na qual se considera praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação/omissão ou onde se produziu ou deveria ter sido produzido o resultado (art. 6º do Código Penal).
Até o momento você estudou os princípios basilares aplicáveis ao Direito Penal e todo o conteúdo da teoria da norma penal. Terão início, neste momento, os seus estudos sobre a teoria do crime, o que demandará maior esforço e dedicação de sua parte, uma vez que o domínio de todas as nuances do fato criminoso certamente importará na resolução de problemas profissionais futuros com maior facilidade.
Nesta nova seção, você aprenderá todos os requisitos objetivos caraterizadores do fato típico, quais sejam: a conduta, o resultado, o nexo de causalidade e a tipicidade penal. Expostos todos esses elementos, você analisará nas próximas seções a presença de dolo ou de culpa, que são os requisitos subjetivos do tipo penal.
Conheça uma nova situação-problema próxima à realidade profissional: Ana Cristina estava trafegando em seu veículo automotor na Avenida Nossa Senhora do Carmo, em Belo Horizonte (MG), quando, de repente, deparou-se com um transeunte que tinha acabado de invadir a pista. O abalroamento do veículo contra o indivíduo foi o suficiente para a morte dele, que teve traumatismo craniano e faleceu poucos minutos antes da chegada do socorro, conforme atestado por exame de corpo delito. Pelas imagens do acidente, pôde-se constatar que o transeunte atravessou a referida avenida sem observar a sinalização (ou seja, a faixa de pedestre). No mesmo dia, foi realizada perícia no local, tendo sido constatado que Ana Cristina conduzia seu veículo na velocidade de 57 km/h, portanto, dentro da velocidade máxima permitida no local, que é de 60 km/h.
Findas as investigações, o Ministério Público Estadual de Minas Gerais ofereceu denúncia em desfavor de Ana Cristina como incursa na prática do crime previsto no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro. A denúncia foi recebida pelo Juízo da 1º Vara Criminal de Belo Horizonte e, após citação, Ana Cristina procurou Lívia para que a defendesse.
Pergunta: qual é a teoria que Júlio, sob coordenação de Lívia, poderá utilizar para fazer a defesa de Ana Cristina?
A fim de responder a essa indagação, você deverá compreender:
•  O nexo de causalidade.
•  A teoria da conditio sine qua non e a utilização do método hipotético de eliminação.
•  A imputação objetiva e a concepção de risco permitido.
Diante disso, é importante o aprofundamento do conteúdo com o intuito de facilitar a resolução dessa situação, que é muito próxima de realidades profissionais que você pode encontrar.
Está curioso? Vamos começar!

conceito-chave

O art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 3.914/41) diferencia o crime e a contravenção penal utilizando o critério da natureza da pena, sem, contudo, estabelecer uma definição própria. Para esse diploma normativo, crime é a conduta à qual a lei comina pena de reclusão ou detenção (cumulada ou não com multa) enquanto a contravenção é punida com prisão simples ou multa isolada. Infere-se que não há diferenças ontológicas (no plano do ser), mas apenas axiológicas (no plano dos valores) separando crime e contravenção (CUNHA, 2020, p. 198). 
Conforme assevera Cezar Bitencourt, o Brasil adota a teoria bipartida ou dicotômica, pois as condutas puníveis são classificadas em crimes (ou delitos) e contravenções penais. Todavia, há países que adotam a teoria tripartida, dividindo as condutas em crimes, delitos e contravenções, como a França, a Rússia e a Alemanha. O autor acrescenta ainda que a diferença substancial entre ambas as condutas é que as contravenções apresentam menor gravidade em relação aos crimes (BITENROURT, 2020, p. 295).
A fim de conceituar o crime, a doutrina atribui-lhe várias acepções. Vamos analisar cada uma delas?
Conceito formal: crime é toda ação/omissão proibida pela lei penal.
Conceito material: crime é toda ação/omissão que viola um bem jurídico penalmente protegido.

Lembre-se 

Para a maioria dos doutrinadores, a função do Direito Penal é a proteção do bem jurídico, que são aqueles valores relevantes e imprescindíveis para o indivíduo e para a sociedade como um todo. Exemplos são: vida, liberdade, dignidade sexual, propriedade, etc. (PRADO, 2019, p. 345).

Conceito analítico de crime: crime é toda ação/omissão típica, ilícita e culpável.

Quadro 2.1 | Conceito analítico de crime
Fato Típico Ilicitude Culpabilidade
•  Conduta
•  Resultado
•  Nexo causal
•  Tipicidade
(Ausência de:)
•  Estado de necessidade
•  Legítima defesa
•  Estrito cumprimento de dever legal
•  Exercício regular de direito
•  Imputabilidade
•  Potencial consciência da ilicitude
•  Exigibilidade de conduta diversa
Fonte: elaborado pelo autor.

A partir do último conceito apresentado, dividiremos os estudos das categorias do delito (fato típico, ilícito e culpável) a fim de facilitar a compreensão. Iniciaremos pelo fato típico, que, por sua vez, se decompõe em conduta, resultado, nexo causal e tipicidade.
Antes, porém, cumpre retomar conceitos que serão utilizados comumente em sua vida profissional e que serão abordados ao longo deste material, quais sejam:
•  Crime comum: é aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa, pois não exige nenhuma qualidade especial (ex: homicídio, lesão corporal e furto).
•  Crime próprio: é aquele que só pode ser praticado por uma pessoa que detém qualidade ou condição especial para isso (ex: peculato: a condição especial é ser funcionário público).
•  Crime de mão própria: é aquele que só pode ser praticado pelo agente de forma pessoal, ou seja, não pode haver intermediação de outrem (ex: falso testemunho).
•  Crime doloso: é a reunião dos elementos vontade e consciência de produzir o resultado, isto é, o agente quer produzir o resultado ou assume o risco de fazê-lo.
•  Crime culposo: é a inobservância a um dever objetivo de cuidado, uma vez que o sujeito ativo age com imprudência, negligência ou imperícia.
•  Crime preterdoloso: o sujeito almeja a prática de um crime, mas o resultado é mais gravoso, pois ele age com dolo no antecedente e culpa no consequente (ex: lesão corporal seguida de morte).
•  Crime unissubsistente: é aquele que se perfaz com um único fato e não admite a tentativa (ex: injúria).
•  Crime plurissubsistente: é aquele em que a conduta pode ser fracionada em atos, admitindo a tentativa (ex: roubo).
•  Crime unissubjetivo: é aquele que pode ser praticado pelo sujeito de modo individual, admitindo, nesse caso, o concurso eventual de pessoas (ex: homicídio).
•  Crime plurissubjetivo: é exigida a presença de duas ou mais pessoas, sendo necessária a hipótese de concurso necessário (ex: associação criminosa e rixa).
•  Crime instantâneo: é aquele que se consuma no mesmo instante em que a ação é praticada, uma vez que não se prolonga no tempo (ex: furto).
•  Crime permanente: é aquele cuja consumação se prolonga no tempo (ex: cárcere privado e sequestro).
•  Crime instantâneo de efeito permanente: é aquele que, embora a ação seja instantânea, gera efeitos que perduram no tempo (ex: homicídio).
•  Crime de dano: exige a efetiva lesão ao bem jurídico para que o crime seja consumado (ex: lesão corporal).
•  Crime de perigo: a consumação ocorre com a simples criação de perigo para um bem jurídico penalmente protegido (ex: expor alguém a contágio de moléstia venérea).
•  Crime material: a consumação do crime exige a produção de um resultado naturalístico (ex: furto).
•  Crime formal: a consumação do crime não depende do resultado, pois este pode ou não ocorrer (ex: desobediência).
•  Crime de mera conduta: não existe resultado naturalístico, de modo que o crime se consuma com a mera atividade do agente.
Agora que você já sabe os principais conceitos da classificação doutrinária dos crimes, passemos à análise individual dos elementos objetivos do fato típico. Comecemos pelo conceito de conduta.
O conceito finalista, segundo Bitencourt (2020, p. 307), dispõe que a ação é um comportamento humano voluntária e conscientemente dirigido a um fim.

Pesquise mais

Existem diversas teorias da ação, tais como a causal-naturalista, a final (anteriormente mencionada), a social, a funcional e a da ação significativa.
Para aprofundar seus estudos, leia a doutrina de Paulo César Busato, mais especificamente o capítulo 5. 
BUSATO, P. C. Direito penal: parte geral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2018.

Reflita

A pessoa jurídica pode ser considerada sujeito ativo no caso de crimes ambientais, conforme preconizado pelo art. 225, §3º da Constituição Federal (CF). Reflita se essa possibilidade está em consonância com o conceito tradicional de ação exposto anteriormente.

Ainda, a conduta deve ser exteriorizada, uma vez que o Direito Penal não pune a vontade não realizada, a mera cogitação.
A ação também deve possuir voluntariedade, isto é, deve ser marcada pela capacidade de autodeterminação do sujeito ativo, pois, caso este seja forçado por um agente externo, haverá ausência de ação, como nos casos de coação física irresistível, movimentos reflexos ou atos de inconsciência.
A coação física irresistível ocorre quando uma força física externa move o corpo do agente contra a sua vontade. Não se compara com a coação moral irresistível, pois esta é constituída de violência ou grave ameaça praticada por terceiros para forçar o agente à ação, o que provoca exclusão da culpabilidade (CUNHA, 2020, p. 256).
Já os atos reflexos são movimentos corporais produzidos por um estímulo involuntário, como os ataques epilépticos, por exemplo. Por sua vez, os atos de inconsciência são aqueles nos quais o agente perde temporariamente as faculdades de percepção do mundo a sua volta e, consequentemente, a capacidade de autodeterminação. Exemplos comuns são o sonambulismo e a hipnose (GRECO, 2018, p. 255).
Por fim, o conceito de conduta ainda permite que o comportamento criminoso seja comissivo (na forma de ação) ou omissivo (na forma de uma omissão, isto é, de um não fazer).
Os crimes omissivos subdividem-se em omissivos próprios ou impróprios.
A omissão própria consiste, segundo Bitencourt (2020, p. 329), em “desobediência a uma norma mandamental, norma esta que determina prática de uma conduta, que não é realizada. Há, portanto, a omissão de um dever de agir imposto normativamente, quando possível cumpri-lo, sem risco pessoal”.
São crimes de mera conduta aqueles em que basta a abstenção do dever de agir imposto a todos de forma genérica para que o crime se consume. Um exemplo recorrente é a omissão de socorro, prevista no art. 135 do Código Penal (CP).
Não se espera que o sujeito pratique atos que vão além de suas forças para evitar que ocorra um resultado, mas tão somente que aja de acordo com suas possibilidades em um caso concreto. Assim, deve-se questionar: se o sujeito não tivesse se omitido, prestando o socorro, o resultado seria diverso? Se a resposta for afirmativa, resta clara a relação de causalidade, uma vez que a omissão foi penalmente relevante. Em caso negativo, não há que se falar em atribuição do resultado à omissão do agente, pois esta fora irrelevante ao caso.
Situação distinta ocorre nos crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão. Nestes, o dever de agir é direcionado a algumas pessoas que exercem a função de garantidor. Os garantidores respondem pela produção do resultado quando podiam e deviam agir para evitá-lo. 
Nos crimes omissivos impróprios, o agente tem a obrigação de agir para evitar a produção do resultado.
Bitencourt (2020, p. 330) destaca que são pressupostos fundamentais do crime omissivo impróprio o poder de agir – deve haver possibilidade física de agir –, a evitabilidade do resultado – assim como no omissivo próprio, deve-se verificar se o resultado subsistiria no caso de ter sido praticada a conduta devida – e, por fim, o dever de impedir o resultado – a figura do garantidor.
Dispõe o art. 13, §2º do CP que:

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
[...]
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. 

(BRASIL, 2017, p. 14, grifo do autor e grifos nossos)

Tem obrigação legal de cuidado, dever ou vigilância (alínea a) aquele que, por lei, é obrigado a resguardar alguém ou algum bem jurídico. Os policiais, os bombeiros ou até mesmo os pais, na vigência do poder familiar, são bons exemplos.

Reflita

Tendo o médico a obrigação legal de cuidado, dever ou vigilância, poderá deixar de realizar transfusão de sangue em pacientes que são testemunhas de Jeová, mesmo que eles não queiram?

É garantidor aquele que, de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado (alínea b), como no caso de parentes e vizinhos que assumem a responsabilidade, ainda que temporariamente, por filhos alheios. 
Ademais, também é considerado garantidor aquele que, com o comportamento anterior, cria o risco da ocorrência do resultado (alínea c), como no caso em que o sujeito deixa um frasco de remédio ao alcance de uma criança, que ingere vários comprimidos de uma vez e, após passar mal, vem a falecer. Quando deixou o remédio ao alcance da criança, causou o risco da ocorrência do resultado e, no perceber os sintomas da ingestão, o sujeito deveria ter agido para evitar que ocorresse o resultado morte.

Faça você mesmo

Com base nos exemplos citados, sugerimos que você busque na doutrina outros exemplos em que se tem a figura do garantidor.

Já o resultado do delito se divide em material ou meramente jurídico. Resultado material é a modificação do mundo exterior provocado a partir da conduta criminosa. Contudo, alguns delitos não apresentam resultado material, mas apenas resultado jurídico, que pode ser conceituado como a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela lei penal.
Nexo causal, por sua vez, é o liame entre a ação praticada pelo agente e o resultado produzido. Segundo o art. 13 do CP, considera-se causa a ação ou a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Pode-se afirmar que o Código adotou, para definição do nexo causal, a teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non, segundo a qual causa é toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Assimile

A teoria da conditio sine qua non aplica-se somente aos crimes materiais.

Para verificar se o antecedente é causa do resultado, é necessário realizar o juízo hipotético de eliminação, por meio do qual se retira determinado comportamento para verificar se o resultado teria surgido ainda assim ou se desapareceria em decorrência da supressão da referida ação. Se o resultado ocorresse mesmo com a supressão da conduta, não haveria nexo causal. No entanto, se o resultado desaparecesse com a eliminação da conduta, haveria de se falar que esta foi condição indispensável para a determinação do resultado (PRADO, 2019, p. 456).
Inobstante, a teoria da conditio sine qua non sofre críticas no tocante à sua infinitude, ou seja, em virtude do regressus ad infinitum, pode-se chegar ao absurdo de encontrar nexo causal entre o agente que praticou o crime de homicídio e o fabricante da arma que ele, porventura, tenha utilizado no crime. Ora, o direito penal consagra a responsabilidade subjetiva, de modo que é necessário encontrar limites à teoria da equivalência das condições.
Ainda no tópico nexo de causalidade, a doutrina destaca a existência de concausas e suas possíveis alterações no nexo causal. Concausas são eventos alheios à conduta do agente, mas que colaboram na produção do resultado. Quando são absolutamente independentes, isto é, quando produzem o resultado de forma autônoma, afastam o nexo causal, de forma que o agente não responde pelo resultado. Contudo, quando são relativamente independentes, ou seja, quando produzem o resultado em conjunto com a conduta, é perfeitamente possível que o agente responda pelo resultado típico, afinal, sem a ação o resultado não teria ocorrido (PRADO, 2019, p. 301). Entretanto, como veremos, o Código Penal possui uma passagem bastante específica sobre a concausa relativamente independente superveniente.
Para organizar o conhecimento, elencaremos exemplos das supracitadas concausas e de suas consequências. 
•  Concausa absolutamente independente preexistente: ocorre antes da conduta e produz o resultado autonomamente. O agente responderá, no máximo, pela tentativa (ex.: Tício desfere uma facada em Mévio, que vem a falecer. No exame de corpo de delito, porém, foi constatado que a morte de Mévio se deu em razão de envenenamento anterior causado por Tércio).
•  Concausa absolutamente independente concomitante: ocorre de forma simultânea à conduta e produz o resultado autonomamente. O agente responderá, no máximo, pela tentativa (ex.: Tício atira em Mévio no mesmo momento em que o lustre se solta e cai na cabeça da vítima, que morre exclusivamente em função do traumatismo craniano).
•  Concausa absolutamente independente superveniente: ocorre posteriormente à conduta e produz o resultado de forma autônoma. O agente, da mesma forma, responderá apenas pela tentativa (ex.: Tício ministra um veneno e coloca no suco de Mévio. Após ingerir o suco e antes da produção de qualquer efeito, Mévio é alvejado por uma bala perdida e vem a falecer).
Ao contrário do que ocorre nas situações anteriores, as concausas relativamente independentes reforçam a atuação humana, permitindo a imputação (atribuição) do resultado, pois há, no caso, o que a doutrina chama de soma de esforços (CUNHA, 2020, p. 303). Elas também se decompõem em causas preexistentes, concomitantes e supervenientes. São elas:
•  Causa relativamente independente preexistente: ocorre antes da conduta (ex.: Tício desfere uma facada em Mévio, que é portador de hemofilia. Mévio faleceu em razão da hemorragia. A partir disso depreende-se que a hemofilia – condição preexistente –, sozinha, não teria o condão de causar a morte de Mévio, de modo que a facada foi, então, determinante para a realização do resultado).
•  Causa relativamente independente concomitante: ocorre de forma simultânea à conduta e, da mesma forma, atua em conjunto com ela para a produção do resultado, permitindo a imputação (ex.: Tício desfere uma facada em Mévio, que tem uma parada cardíaca em função do pavor causado pela sensação de morte iminente).
Nas causas relativamente independentes, nas modalidades preexistentes e concomitantes, o agente responderá pelo resultado, uma vez que, suprimindo a sua conduta, o resultado desapareceria.
Quanto às causas relativamente independentes supervenientes, faz-se necessária a distinção entre aquelas que não produzem o resultado por si só e aquelas que, sozinhas, produzem o resultado. Isso porque o § 1º do art. 13 traz a regra pela qual “a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou” (BRASIL, 2017, p. 14). A doutrina costuma afirmar que, nessa passagem, o Código Penal adotou a teoria da causalidade adequada, de forma que a causa passa a ser a conduta que se mostra adequada para ocasionar o resultado por si só, a partir de um juízo de probabilidade. Assim, é necessário observar se a concausa relativamente independente é mero desdobramento lógico da conduta (caso em que o agente poderá ser responsabilizado) ou se a concausa é um desdobramento causal extraordinário (caso em que o agente não será punido pelo resultado, mas, no máximo, pela tentativa). Vamos sintetizar e exemplificar.
•  Causa relativamente independente superveniente que não produz o resultado por si só: ocorre posteriormente à conduta, mas guarda com ela uma relação direta e necessária para a concretização do resultado (ex.: Tício desfere facadas em Mévio, que logo em seguida é encaminhado para o hospital. Após as intervenções médicas, Mévio falece em razão de infecção hospitalar). Nesse caso, o sujeito responderá pelo resultado, que foi homicídio.
•  Causa relativamente independente superveniente que por si só produz o resultado: ocorre depois da conduta e guarda relação causal com esta; contudo, não é desdobramento adequado ou esperado da ação, de forma que o agente só responderá pela tentativa (ex.: Tício desfere facada em Mévio, porém este não morre de infecção do ferimento, mas de acidente de trânsito envolvendo a ambulância em que estava).
Findas as questões envolvendo as concausas independentes, faz-se necessária uma análise sobre a teoria da imputação objetiva, cuja importância tem sido destacada nos estudos dos maiores penalistas do mundo.
Para essa teoria, a partir da doutrina funcionalista de Claus Roxin, só pode ser imputado um resultado a alguém que tenha criado um risco não permitido ao bem jurídico penalmente protegido. Desta feita, a conduta será atribuída àquele que criou ou incrementou um risco proibido, desde que o resultado tenha sido gerado em decorrência desse risco (ROXIN, 2008, p. 104).
Depreende-se desse conceito que a ação se constitui de um comportamento humano, de modo que os animais, por exemplo, não podem ser sujeitos ativos de crimes.

Pesquise mais

Como sugestão, estão indicadas a seguir duas importantes obras para quem deseja aprofundar os estudos sobre imputação objetiva.
ROXIN, C. R. Política criminal e sistema jurídico penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
GRECO, L. Um Panorama da Teoria da Imputação Objetiva. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. Revista dos Tribunais, 2014.

Assim, não deve ser imputado um resultado a alguém que tenha agido em conformidade com os preceitos normativos. Como exemplos, Paulo C. Busato (2015) destaca as intervenções médicas para salvar pacientes ou a conduta de conduzir veículo em obediência às normas de trânsito, uma vez que representam a ausência de ultrapassagem dos limites toleráveis do risco.
Ademais, o princípio da confiança limita o risco permitido, uma vez que, ao vivermos em sociedade, cria-se a expectativa de que o outro aja de acordo com o seu dever. Dessa forma, caso o agente se limite a confiar no respeito à norma por parte de terceiros, não poderá ser imputado por eventual resultado produzido a partir de sua ação. Imaginemos que, depois de entrar em uma via rotatória, o agente confie que o motociclista que está prestes a ingressar na mesma via observará seu direito de preferência. Caso o motociclista não obedeça e, imprudentemente, ingresse na via rotatória de forma que o agente que lá já estava não consiga evitar um acidente, este não será responsabilizado pelo resultado. 

Assimile

Analise interessante decisão do STJ que utilizou a teoria da imputação objetiva:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. MORTE POR AFOGAMENTO NA PISCINA. COMISSÃO DE FORMATURA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ACUSAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE, DE NEXO DE CAUSALIDADE E DA CRIAÇÃO DE UM RISCO NÃO PERMITIDO. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. [...]
3. Por outro lado, narrando a denúncia que a vítima afogou-se em virtude da ingestão de substâncias psicotrópicas, o que caracteriza uma autocolocação em risco, excludente da responsabilidade criminal, ausente o nexo causal.
4. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não ocorrente, na hipótese, porquanto é inviável exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização das substâncias ingeridas por todos os participantes de uma festa.
5. Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando a atipicidade da conduta.
6. Ordem concedida para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta, em razão da ausência de previsibilidade, de nexo de causalidade e de criação de um risco não permitido, em relação a todos os denunciados, por força do disposto no art. 580 do Código de Processo Penal. 

(STJ, 2006, [s. p.], grifos nossos).

Percebemos que, na decisão, o STJ aplicou a teoria da imputação objetiva, isentando a responsabilidade da comissão de formatura em contexto no qual alunos morreram afogados em uma piscina durante festa de formatura depois de consumirem drogas ilícitas. Isso porque a comissão não criou ou incrementou o risco do resultado e também confiou no respeito às normas por parte das vítimas, de forma que não foram imputadas pelo resultado morte.

Por fim, falemos da tipicidade. A tipicidade penal, de acordo com o conceito formal, é o juízo de adequação da conduta a um tipo previsto em lei. Ainda, deve-se analisar, sob o aspecto material, se aquele fato praticado lesionou um bem jurídico penalmente tutelado.
Pode ocorrer a adequação típica de forma imediata (quando há subsunção imediata no tipo, por exemplo: art. 121 do CP) ou mediata (quando há uma norma de extensão, como é o caso do mencionado art. 13, § 1º, ou do art. 14, ambos do CP).
Zaffaroni e Pirangeli (2011, p. 401) ainda acrescentam a tipicidade conglobante, pela qual se deve analisar a existência de uma conduta antinormativa, ou seja, o fato praticado pelo agente deve ser contrário ao ordenamento jurídico como um todo.

Exemplificando

Um exemplo recorrente na doutrina é o seguinte: certo oficial de justiça, munido de um mandado de apreensão, toma posse de um veículo na residência do proprietário. Formalmente, tal conduta amolda-se no art. 155 do CP (furto), mas constitui causa de exclusão da ilicitude (estrito cumprimento do dever legal). Pela teoria da tipicidade conglobante, não haveria necessidade de analisar a ilicitude, uma vez que o fato não seria típico, pois o ordenamento jurídico deve ser analisado de forma ampla. Não pode ser considerado típico um fato que o ordenamento jurídico admite como válido.

Nesta seção, você aprendeu todas as nuances de um fato típico (conduta, resultado, nexo causal e tipicidade) e seus consequentes desdobramentos. Trata-se da parte mais extensa e conceitual da teoria do crime. A partir da próxima seção, quando entrarmos nos elementos subjetivos do tipo (dolo e culpa), teremos situações mais próximas à sua realidade.

Faça valer a pena

Questão 1

Embora o crime seja insuscetível de fragmentação, pois que é um todo unitário, para efeitos de estudo, faz-se necessária a análise de cada uma de suas características ou elementos fundamentais, isto é, o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Podemos dizer que cada um desses elementos, na ordem em que foram apresentados, é um antecedente lógico e necessário à apreciação do elemento seguinte. 

(GRECO, 2018, p. 193)

Considere os seguintes conceitos de crime e os associe com seus significados.

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I.  Conceito formal de crime.
II.  Conceito material de crime.
III.  Conceito analítico de crime.
A.  Crime consiste na violação da lei penal.
B.  Crime consiste na violação do bem jurídico.
C.  Crime é fato típico, ilícito e culpável.

Correto!

Segundo o conceito formal, crime é a conduta que viola a lei penal em sentido estrito. O conceito analítico prevê, segundo a definição mais aceita, que crime é fato típico, ilícito e culpável. O conceito material dispõe que crime é a conduta que ofende o bem jurídico penalmente protegido.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Questão 2

A Classificação de crimes pode ser legal ou doutrinária. A classificação legal diz respeito ao nomen iuris, ou seja, à denominação que a própria lei confere à figura criminosa, etiquetando os tipos penais. [...] Já a classificação doutrinária é aquela atribuída pelos estudiosos tendo em consideração as características das infrações penais.

(CUNHA, 2020)

Quanto à classificação de crimes, considere as seguintes assertivas e marque a opção correta:
I.  Crime próprio é aquele que só pode ser praticado por agentes que possuem as características descritas no tipo penal.
II.  Crime plurissubsistente é aquele que se perfaz com um único ato, não cabendo a tentativa.
III.  Crime permanente é aquele que, embora se consolide em momento específico, possui efeitos que se prolongam no tempo independentemente da vontade do agente. 
IV.  Crime comum é aquele previsto no Código Penal básico.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Correto!

Crime próprio é aquele cujo tipo penal descreve características específicas que limitam o número possível de agentes. Crimes plurissubsistentes são aqueles que se perfazem com vários atos, sendo possível a tentativa. Crimes permanentes são aqueles cuja consumação se prolonga no tempo por vontade do agente e crime comum é aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa.

Questão 3

A moderna compreensão do tipo, como categoria sistemática autônoma, foi, no entanto, criada por Beling, em 1906, sendo difundida pela obra Die Lehre Von Verbrechen. A elaboração do conceito de tipo proposto por Beling revolucionou completamente o Direito Penal, constituindo um marco a partir do qual se reelaborou todo o conceito analítico de crime. 

(BITENCOURT, 2020, p. 357)

No que tange ao nexo causal e à tipicidade penal, marque a opção correta:

Tente novamente...

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Correto!

O fato típico se decompõe em conduta, resultado, nexo causal e tipicidade. A teoria da conditio sine qua non é adotada como regra no art. 13 do Código Penal. A teoria da imputação objetiva visa criar requisitos normativos como condição de imputação do tipo objetivo, não possuindo relação com responsabilidade objetiva. Tipicidade formal consiste no juízo de subsunção entre a conduta e os elementos do tipo penal e é na omissão imprópria que reside a figura do garantidor.

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Referências

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