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Erro de tipo e descriminantes putativas

Francisco de Aguilar Menezes

Fonte: Shutterstock.

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Caro aluno, na seção anterior, estudamos as principais características da culpa, inclusive no tocante à sua excepcionalidade no ordenamento jurídico. Vimos que ela é composta pela inobservância de um dever objetivo de cuidado, resultado, nexo causal e previsibilidade objetiva do resultado, e verificamos as diversas espécies de culpa, como a consciente, inconsciente, imprópria, presumida e indireta. Por fim, foram abordadas a concorrência e a compensação de culpas, bem como o crime qualificado pelo resultado e o crime preterdoloso.
Foi apresentado a você, na Seção 3.1, o caso de Zé Pedrinha e João do Morro, que planejaram invadir a residência de Beatriz com o intuito de furtar os valiosos bens que supostamente ela guardava dentro de casa. Como desdobramento desse caso, você teve que encontrar uma tese jurídica distinta da teoria da imputação objetiva para absolver Zé Pedrinha da prática do crime previsto no art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Qual será essa tese jurídica? Caberia a alegação da teoria da imputação objetiva, pois Zé Pedrinha não criou ou incrementou um risco juridicamente proibido. No entanto, a referida teoria já foi objeto de estudo anterior, e o objetivo é ampliar sua capacidade argumentativa. Em sua vida profissional, caso esteja diante de uma situação semelhante a esta, recomenda-se a utilização de ambas as teses defensivas com vistas a resguardar o direito do seu cliente. Vimos que Zé Pedrinha observou o cuidado objetivo devido, uma vez que estava em velocidade baixa (40 km/h) e compatível com a via, especialmente em razão do elevado fluxo de veículos. Ao que tudo indica, também estava atento às regras de trânsito. Ademais, pelo princípio da confiança, não se espera que um pedestre atravesse a rua de repente sem observar a sinalização e o número elevado de veículos no local. Dessa forma, naquela situação e circunstância, o resultado seria imprevisível para o homem médio, pois não é previsível que um pedestre invadirá a faixa com os veículos em movimento. Zé Pedrinha não agiu com imprudência, negligência ou imperícia, sendo o resultado por culpa exclusiva da vítima. Desse modo, sua conduta não passou de mera infelicidade/fatalidade. Zé Pedrinha ainda acionou os freios e tentou desviar a direção da moto, mas, como a vítima invadiu a pista de repente, não foi possível evitar o resultado. Assim, concluímos que a tese jurídica suplementar a ser desenvolvida por você é a de que houve culpa exclusiva da vítima, o que afasta a responsabilização do agente pelo resultado.
Nesta seção, estudaremos as principais características do erro de tipo e das descriminantes putativas, especialmente no que se refere à sua natureza jurídica, incidência e formas. Conheça uma nova situação próxima da realidade profissional: no dia em que ocorreu o acidente, Zé Pedrinha e João do Morro ficaram muito decepcionados com o fato de não terem conseguido furtar a casa de Beatriz, já que agora não sabem quando terão nova oportunidade. Para se distrair, combinaram de ir a uma famosa boate do Rio de Janeiro, conhecida pelas belas mulheres, por ter o funk como o principal ritmo e por permitir somente a entrada de maiores de idade. Chegando lá, João do Morro conheceu Gabriela, uma jovem atraente, de cabelos longos, roupas curtas, salto alto, maquiagem forte e um corpo escultural. Após conversarem bastante e trocarem telefone, foram para um local reservado e tiveram relações sexuais de forma voluntária. Após quatro meses do ocorrido, João do Morro foi citado para responder à Ação Penal nº 5.000, movida pelo Ministério Público do estado do Rio de Janeiro, em virtude de a suposta prática do delito previsto no art. 217-A do Código Penal (CP) (estupro de vulnerável). Nesse dia, João do Morro descobriu que Gabriela possuía apenas 13 anos na data em que tiveram relações sexuais.
Como futuro jurista, qual tese de defesa você poderá arguir para absolver João do Morro da suposta prática do crime de estupro de vulnerável?
Para responder a esta indagação, você deverá compreender o crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do CP, o erro de tipo essencial escusável e suas consequências. Neste esteio, é importante o aprofundamento do conteúdo, a fim de facilitar a resolução da situação próxima da realidade profissional anteriormente mencionada.

conceito-chave

Prezado aluno, nesta seção, estudaremos sobre o erro de tipo no direito penal. O erro de tipo diz respeito à falsa percepção de uma circunstância (fática ou normativa), na qual o agente não percebe que o que faz preenche os elementos de um tipo penal. Normalmente, ocorre pela falsa percepção da realidade, na qual o sujeito ativo da infração penal não compreende bem o que está fazendo (BITENCOURT, 2020). 
Está previsto no art. 20 do Código Penal nos seguintes dizeres: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei” (BRASIL, 1940, [s. p.]).
Neste esteio, o erro de tipo subdivide-se em erro essencial e erro acidental. 
O erro de tipo essencial é aquele que recai sobre as elementares ou circunstâncias do fato típico, de modo que o agente, ao praticar a conduta, não tem a consciência de que está incidindo em um crime. Dessa forma, a presença de erro de tipo essencial influi na responsabilização do sujeito ativo.

Exemplificando

Imaginemos as seguintes situações: no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a prática de um fato definido como crime que, sinceramente, acredita que tenha sido praticado. Nesse caso, falta-lhe o conhecimento da elementar “falsamente”. Se o agente não sabia que a imputação era falsa, não há que se falar em dolo, excluindo o tipo penal.

O erro essencial divide-se em invencível (ou escusável) e vencível (ou inescusável).
O erro de tipo escusável ou invencível é aquele em que qualquer um incorreria se estivesse sujeito àquela mesma situação e circunstância. Ainda que o agente tivesse tomado todas as cautelas necessárias, incidiria em erro. Nesse caso, devem ser excluídos o dolo e a culpa, o que afasta, consequentemente, a caracterização do crime. Já o erro de tipo inescusável ou vencível é aquele em que, se o agente tivesse tomado todas as cautelas devidas, teria evitado o erro. Nesse caso, há exclusão do dolo, podendo o agente responder pela culpa, caso esteja prevista no tipo penal. Inexistindo a modalidade culposa, o agente não responderá por nada (CUNHA, 2020).
O erro de tipo acidental ocorre quando há uma falsa percepção da realidade no tocante aos elementos não essenciais do tipo. Recai sobre os elementos secundários e acessórios do tipo penal. Dessa forma, como não diz respeito aos elementos essenciais do tipo, a caracterização do erro de tipo acidental não influi na responsabilização do agente. São espécies de erro de tipo acidental: erro sobre o objeto, erro sobre a pessoa, erro sobre o nexo causal, aberratio ictus e aberratio criminis.
Erro sobre o objeto: o agente, ciente da ilicitude de seu ato, equivoca-se quanto às características e à natureza do objeto material, ou seja, o sujeito direciona a sua conduta para um determinado objeto, mas, por erro, acaba atingindo outro.
Erro sobre a pessoa ou erro in persona: o erro sobre a pessoa está previsto no §3º do art. 20 do CP nos seguintes dizeres: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime” (BRASIL, 1940, [s. p.]). Isso significa que há um erro quanto ao sujeito passivo, isto é, o sujeito ativo pretende atingir determinada pessoa, mas, por erro de representação, equivoca-se e acerta pessoa diversa daquela que inicialmente pretendia. Consoante disposto no artigo supramencionado, o agente responderá como se tivesse atingido a pessoa pretendida.
Erro sobre o nexo causal ou aberratio causae: o erro recai sobre o nexo causal empregado para a consecução criminosa, isto é, o agente pratica um ato, mas o resultado decorre de um nexo causal distinto daquele previsto pelo agente inicialmente. Ocorre quando, por exemplo, o sujeito intenciona matar seu desafeto e, para isso, o atira em um rio, pois ouviu falar que ele não sabe nadar. Quando do exame de corpo de delito, constata-se que a morte foi ocasionada em razão de traumatismo craniano, pois o desafeto bateu a cabeça em uma pedra.
Erro na execução ou aberratio ictus: o erro recai sobre o meio de execução. Corresponde a um desvio na execução, e é também conhecido como erro na pontaria. O agente direciona sua conduta para atingir determinado resultado contra uma pessoa específica, mas, por erro, acaba atingindo outra não pretendida. Pode acontecer, ainda, devido a um acidente nos meios de execução, no qual o agente acaba acertando pessoa diversa da pretendida por conta de um imprevisto. Imagine o contexto no qual o agente despeja o veneno no copo da vítima, porém o cônjuge desta acaba bebendo para impedi-la. É regulado pelo art. 73 do CP. 
Em qualquer um dos casos, o agente responderá como se tivesse acertado a pessoa a quem pretendia atingir. Inobstante, caso tivesse atingido resultado duplo, isto é, alvejado a vítima e o cônjuge, o agente responderia conforme o disposto no art. 70 do CP (chama-se aberratio ictus de unidade complexa). Como nesta hipótese de erro o agente não possui desígnios autônomos (dolos distintos) de praticar a ação contra ambas as pessoas, aplica-se o critério da exasperação, isto é, considera-se a pena mais grave ou, se iguais, somente uma delas acrescida de 1/6 até ½. Trata-se de concurso formal próprio.
Caso comprovado que o agente tinha desígnios autônomos, isto é, vontade de atingir ambos os resultados (matar a vítima e o cônjuge), não haverá erro, pois o agente praticou exatamente o que queria produzir. Neste contexto, aplica-se o critério do cúmulo material, e as penas serão somadas, pois trata-se de concurso formal impróprio regulado pelo art. 70 do CP.

Reflita

O que distingue a aberratio ictus do erro sobre a pessoa?

Aberratio criminis (ou aberratio delicti) ou resultado diverso do pretendido: o agente almeja atingir determinado resultado (bem jurídico), mas, por erro ou acidente nos meios de execução, acerta outro. O art. 74 do CP disciplina o resultado diverso do pretendido. Infere-se do art. 74 do CP que o agente somente será responsabilizado pelo resultado não pretendido quando houver previsão legal expressa da modalidade culposa. Assim, imaginemos que o agente lance uma pedra com o objetivo de quebrar uma vidraça, mas, por erro de mira, acaba acertando uma pessoa. Neste contexto, responderá apenas pelo crime culposo contra a pessoa. Note que, caso fosse o oposto (caso o agente desejasse acertar a pessoa e acabasse quebrando a vidraça), não haveria aplicação do art. 74. Isso porque, não havendo modalidade culposa para o crime, a aplicação do art. 74 levaria a uma situação de impunidade, e não foi esta a finalidade da lei segundo a doutrina predominante. Assim, caso o aberratio criminis ocorra de “pessoa para coisa”, o agente responderá pela tentativa (GRECO, 2018, p. 749). Por sim, caso ocorra o resultado pretendido e, ainda, o resultado não pretendido, o agente responderá nos moldes no art. 70 do CP (concurso formal próprio), já tratado anteriormente, quando analisadas as consequências da aberratio ictus.

Faça você mesmo

Com base nos exemplos citados, sugiro que você busque na doutrina e na jurisprudência outros exemplos em que seja possível verificar o erro de tipo acidental.

Falemos sobre as teorias do dolo e as teorias da culpabilidade. 
Bitencourt (2020) afirma que, para melhor compreensão da teoria do erro, faz-se necessária breve análise acerca das teorias do dolo e das teorias da culpabilidade. São elas: teoria extremada/estrita do dolo, teoria limitada do dolo, teoria extremada/estrita da culpabilidade e teoria limitada da culpabilidade.
Teoria extremada do dolo: o dolo é situado na culpabilidade, e a consciência da ilicitude situa-se no dolo. Como já visto na Seção 2.4, trata-se do dolo normativo (vontade, consciência e atual consciência da ilicitude). Neste período, vigorava o erro de fato (falsa percepção da realidade) e o erro de direito (falsa percepção da norma jurídica) e ambos desaguavam na exclusão do dolo e da culpabilidade. 
Teoria limitada do dolo: vigente em período posterior à teoria extremada dolo, no qual o conhecimento atual da ilicitude foi substituído pelo conhecimento presumido. É creditada a Mezger, que introduziu no direito penal a noção de conhecimento presumido da ilicitude para os casos em que o autor do delito demonstrasse menosprezo pelos valores consagrados no ordenamento jurídico e da sociedade. Esse conhecimento presumido gerou muitas críticas e deu ensejo ao direito penal do autor, uma vez que o agente era condenado pelas suas escolhas de vida, e não pelo que fez no contexto do crime. No entanto, o erro de fato e o erro inevitável de direito também poderiam excluir o dolo (MEZGER, 1952 apud BITENCOURT, 2020). 
Teoria extremada da culpabilidade: sabemos (pois já estudamos em seções passadas) que, com o finalismo, o dolo foi deslocado para o interior do tipo penal. Contudo, apenas o dolo natural, isto é, o dolo nos seus elementos psicológicos (vontade e consciência) passaram à tipicidade. A potencial consciência da ilicitude, outrora elemento do dolo, permaneceu como elemento normativo da culpabilidade. Esta transformação fez com que o erro de fato e o erro de direito se transformassem no erro de tipo (objeto deste capítulo) e no erro de proibição (que será estudado na Seção 4.2).
Todavia, toda esta evolução causou certas dificuldades para resolver juridicamente as chamadas descriminantes putativas, ou seja, as causas de exclusão de ilicitude imaginárias. Suponhamos que o seu cliente lhe procure dizendo que se envolveu em um erro fatal: acreditando que um assaltante havia invadido sua casa, disparou uma arma de fogo contra ele. Porém, tratava-se de seu filho que, proibido de sair de casa, havia saído escondido e voltado sorrateiramente no meio da madrugada. Este contexto, durante os tempos de teoria extremada ou limitada do dolo, não haveria dúvida: tratar-se-ia de erro de fato, pois notava-se a falsa percepção da realidade. Contudo, dentro do paradigma finalista, a solução não é tão simples: não se trata de erro de tipo, pois o agente tinha a correta consciência dos elementos do tipo (sabia que estava matando alguém), nem erro de proibição direto, pois sabia que matar alguém é ilícito. Assim, Welzel, (criador da teoria finalista da ação) propôs a teoria extremada da culpabilidade, para a qual todo erro nas descriminantes putativas é erro de proibição indireto, devendo-se aplicar a mesma consequência jurídica do erro de proibição direto (PRADO, 2019).

Assimile

No erro de proibição, o agente acredita, por erro, que sua conduta é lícita, contudo, na realidade, a conduta é ilícita. Exemplo: estrangeiro vem ao Brasil sem saber que, por aqui, portar pequena quantidade de munição é crime de perigo abstrato, independentemente da presença da arma. Assim, está em erro de proibição quando traz para o país uma munição de fuzil como amuleto da sorte.

Teoria limitada da culpabilidade: parte da doutrina não concordou com Welzel e com a teoria limitada da culpabilidade no que diz respeito à classificação dos erros nas descriminantes putativas (causas de exclusão de ilicitude imaginárias). A teoria limitada da culpabilidade apregoa que o erro sobre os pressupostos fáticos da descriminante é erro de tipo permissivo, enquanto o erro sobre a existência ou os limites normativos da descriminante deve ser classificado como erro de proibição indireto. Assim, para esta teoria, se o agente dispara contra a vítima porque acreditava que esta estava prestes a matá-lo, haverá erro de tipo permissivo. Porém, caso acredite que possa matar a cônjuge adúltera por legítima defesa da honra quando o ordenamento não prevê esta descriminante, haverá erro de proibição indireto. Também haverá esta espécie de erro caso o agente presuma que, em um episódio de evidente legítima defesa, ele não precise usar moderadamente dos meios necessários. Nosso código, segundo entendimento majoritário, adotou a teoria limitada da culpabilidade, aliás, é isto que prevê o item 19 da exposição de motivos do Código Penal (PRADO, 2019). 
Quanto aos efeitos do erro de tipo, é preciso verificar se no caso concreto se trata de erro de tipo essencial ou acidental. Ambos os conceitos foram delineados anteriormente. 
No caso do erro de tipo essencial, o qual beneficia o agente, o art. 20 do CP dispõe que o erro de tipo sempre exclui o dolo. Desta feita, é necessária a análise sobre a possibilidade no caso concreto de se evitar o resultado para saber se também será excluída a culpa. Neste esteio, podem ocorrer duas situações: ainda que o agente tivesse a cautela e a diligência necessárias, incidiria em erro. Esse é o erro de tipo essencial escusável ou invencível, o qual exclui o dolo e a culpa. Se o agente tivesse a cautela e a diligência necessárias, conseguiria evitar o erro. Esse é o erro de tipo inescusável ou vencível, que exclui o dolo, mas o sujeito ativo pode responder por culpa, caso haja previsão legal.
Todavia, caso seja uma hipótese de erro de tipo acidental, deve-se ressaltar que o agente não será beneficiado, isto é, o erro não compromete a responsabilização dele.
Em síntese, o erro quanto ao objeto material não influi na imputação do agente. No erro sobre a pessoa e na aberratio ictus, o agente responderá como se tivesse acertado a vítima a quem pretendia atingir (no caso de ter cometido o crime contra ascendente, por exemplo, incidirá a agravante prevista na alínea e) do art. 65 do CP). Já na aberratio causae, ainda que o resultado tenha sido alcançado por um nexo causal distinto daquele inicialmente previsto, o agente será responsabilizado. Por fim, na aberratio criminis, o agente será responsabilizado pelo resultado diverso do pretendido a título de culpa, caso previsto no tipo penal.
O erro provocado por terceiro ocorre quando o erro é provocado/instigado por um terceiro. Nesse caso, ele é determinado pela obra de um agente externo, que induz o sujeito ativo à prática delitiva. Como exemplo, temos um médico que, para matar um desafeto, orienta a enfermeira a ministrar-lhe medicamento que lhe causa uma crise alérgica grave. Dispõe o §2º do art. 20 do CP que responderá pelo crime o terceiro que determina o erro. O agente que está em erro beneficiar-se-á do erro de tipo ou do erro de proibição (que será ensinado em seções posteriores). 
O delito putativo por erro de tipo ocorre quando o agente supõe, por erro, que está praticando um crime, quando, na verdade, não está. Como exemplo, pode-se citar a hipótese em que uma mulher, acreditando estar grávida, procura uma clínica para realizar aborto, mas não há gestação. Ocorre delito putativo por erro de tipo também quando o sujeito acredita estar em posse de drogas, porém descobre que se trata de sal em vez de pó.
Por fim, falemos das descriminantes putativas por erro de tipo permissivo. Como afirmado quando da análise da teoria limitada da culpabilidade, há erro de tipo permissivo, também chamado de descriminante putativa, quando o erro incidir nas causas de justificação, que são aquelas que excluem a ilicitude do fato. Mais especificamente, temos o erro quando o agente presume situação de fato que, se existisse, tornaria a conduta lícita, conforme dispõe o §1º do art. 20 do CP. Assim, há descriminante putativa quando o agente supõe erroneamente que sua conduta está acobertada por uma causa excludente de ilicitude, que se de fato existisse, tornaria a ação lícita. 
As causas excludentes de ilicitude são a legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício regular do direito, o estrito cumprimento do dever legal e a causa supralegal de consentimento do ofendido (ocorre quando a própria vítima consente na realização da ação, sendo imprescindível que o bem jurídico seja disponível). Vejamos sinteticamente cada uma delas com os respectivos exemplos de quando há descriminante putativa (conteúdo sobre as causas de justificação que será analisado detalhadamente na Seção 4.1).
Legítima defesa: ocorre na situação em que, pelo uso moderado dos meios necessários, o agente repele agressão injusta atual ou iminente, a fim de defender direito próprio ou de outrem (art. 25 do CP). Exemplo: João é inimigo mortal de Yuri, e ambos estudam na mesma faculdade. Certo dia, eles tiveram um desentendimento, e Yuri ameaçou matar João. Após uma semana, Yuri, que estava com as mãos nos bolsos, viu João no estacionamento. Este, imediatamente, acreditando que o outro rapaz retiraria uma arma para matá-lo, atirou nele, matando-o. Ocorre que Yuri tinha ido ao encontro de João para pedir desculpas pelo ocorrido e selar a paz (legítima defesa putativa).
Estado de necessidade: ocorre quando alguém pratica um ato para salvar direito próprio ou alheio de um perigo atual. É necessário que o agente não tenha provocado o perigo por sua vontade e não possa evitar o resultado de outra forma (art. 24 do CP). Exemplo: Carla e Carolina são amigas desde a infância. Elas planejaram uma viagem para os EUA, embora não compreendessem bem a língua inglesa, especialmente no que diz respeito à escrita. Certo dia, estavam em um restaurante, quando disparou o alarme de incêndio. Ambas saíram correndo e, desesperada, Carolina empurrou Carla de uma escada, causando-lhe lesões corporais. Descobriram, posteriormente, que se tratava de um simples treinamento, o que havia sido noticiado pelo restaurante com cartazes nas portas (estado de necessidade putativo).
Estrito cumprimento do dever legal: ocorre quando alguém pratica uma conduta em razão de um dever imposto legalmente. Exemplo: Joaquim é policial militar e, certo dia, ouviu gritos vindos da residência de Dona Leonor, uma senhora que frequentemente se metia em confusão na vizinhança. Acreditando se tratar de uma briga, Joaquim invadiu a residência, mas viu que acontecia uma festa (estrito cumprimento de um dever legal putativo).
Exercício regular do direito: ocorre quando a ação do agente está pautada pela lei, isto é, quando a ação é permitida legalmente. Exemplo: Francisco estacionou seu carro em frente a um hospital na cidade de São Paulo. Após consultar-se, voltou ao local e encontrou um cidadão tentando abrir a porta de seu veículo. Acreditando que corria o risco de ser esbulhado da posse de seu bem, Francisco reagiu e empurrou o cidadão. Depois, ele fora noticiado de que seu carro havia sido guinchado e que o referido veículo, embora igual, pertencia ao cidadão que ele empurrou (exercício regular de direito putativo). Dessa forma, há erro de tipo permissivo quando o agente se equivoca quanto à situação de fato que envolve uma das causas justificantes, uma vez que o agente supõe que sua conduta está acobertada por uma delas, quando, na verdade, não está. A grande polêmica aqui existente refere-se ao seguinte questionamento: as descriminantes putativas quanto aos pressupostos fáticos consubstanciam-se em erro de tipo ou erro de proibição?
Alguns autores, como Greco (2018), acreditam que, em razão de o Código Penal ter adotado a teoria da culpabilidade limitada, a natureza das descriminantes putativas seria de erro de tipo, mas apenas quando o erro derivasse de errônea suposição dos requisitos fáticas da causa de justificação, conforme exemplificado anteriormente. Entretanto, alguns defendem que o nosso Código Penal não adotou nem a teoria limitada nem extremada da culpabilidade. Bitencourt, por sua vez, afirma que seria um erro eclético, pois o §1º do art. 20 possui estrutura semelhante ao erro de tipo, mas com a consequência idêntica ao erro de proibição, uma vez que a expressão “é isento de pena”. Assim, diferentemente do que ocorre com o erro de tipo previsto no caput do art. 20, abordado anteriormente, no erro de tipo permissivo não há exclusão do dolo. Isso significa que não haverá exclusão do tipo penal, mas, sim, da culpabilidade, terceiro elemento do conceito analítico de crime. Desta forma, para Bitencourt (2020), trata-se de um erro sui generis.

Pesquise mais 

Como é possível notar, este é um assunto – erro – que gera muita controvérsia doutrinária. Por essa razão, convido você a se aprofundar no tema: 
GOMES, L. F. Erro de tipo e erro de proibição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

Faça valer a pena

Questão 1

Analise as afirmativas a seguir:

  1. O erro de proibição ocorre quando o agente pressupõe erroneamente que estão presentes os requisitos fáticos de uma causa descriminante.
  2. O erro de tipo frequentemente diz respeito à falsa percepção da realidade, uma vez que o agente supõe uma realidade distinta daquela que efetivamente existe.
  3. O erro de tipo se divide em erro de tipo acidental e essencial.
  4. Descriminante putativa é sinônimo de crime impossível.

Assinale a alternativa correta.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

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Correto!

O erro de proibição diz respeito ao desconhecimento culturalmente condicionado da ilicitude da conduta. O erro de tipo é o desconhecimento de circunstância que corresponde a elementar do tipo penal e divide-se em erro essencial e erro acidental. Os erros acidentais são: erro sobre o objeto, erro sobre a pessoa, erro sobre o nexo causal, aberratio ictus e aberratio criminis. Descriminante putativa é a causa de exclusão de ilicitude imaginária.

Tente novamente...

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Questão 2

“No erro de tipo, o erro vicia o elemento intelectual do dolo – a previsão –, impedindo que o dolo atinja corretamente todos os elementos essenciais do tipo. Daí porque essa forma de erro exclui sempre o dolo, que agora está no tipo, e não na culpabilidade.” (BITENCOURT, 2020, p. 529).
Quanto ao erro de tipo, assinale a alternativa correta.

Correto!

O erro de tipo essencial é aquele que recai sobre as elementares do tipo. Será inescusável ou vencível quando um indivíduo de capacidade intelectual mediana for capaz de percebê-lo com alguma atenção e, neste caso, o dolo estará afastado, mas o crime ainda será punível a título de culpa. Será escusável ou invencível quando um homem médio for incapaz de percebê-lo; neste caso, dolo e culpa serão afastados.

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Questão 3

Muito se tem discutido ultimamente a respeito daquilo que se convencionou denominar ‘casos de bala perdida’. Pessoas são mortas em suas próprias casas, assistindo à televisão, ou na porta de escolas, de hospitais, de supermercados etc. A troca de tiros entre delinquentes que disputam um ‘ponto de venda de drogas’, ou mesmo entre policiais e criminosos, pode levar à morte ou causar lesões em pessoas inocentes. Esses fatos podem ser considerados como uma das três hipóteses do chamado crime aberrante, que são as seguintes: a) aberratio ictus; b) aberratio criminis e c) aberratio causae.

(GRECO, 2018, p. 743)

Associe os institutos aos seus conceitos:

  1. Aberratio ictus.
  2. Aberratio delicti.
  3. Delito putativo por erro de tipo.
  4. Erro sobre a pessoa.

Assinale a alternativa que traz a associação correta.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Correto!

Aberratio ictus (erro de execução) ocorre quando o agente pratica crime contra pessoa diversa da pretendida por erro no golpe ou acidente na execução. Quando o agente pratica crime contra pessoa distinta por confundir a identidade da vítima, haverá erro sobre a pessoa. Delito putativo por erro de tipo ocorre quando o agente pressupõe existir os elementos que definem um tipo penal, quando, na verdade, estes não estão presentes.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

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Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Referências

BITENCOURT, C. R. Tratado de direito penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
BRANDÃO, C. Teoria jurídica do crime. 5. ed. Belo Horizonte, MG: D´Plácido, 2019.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da República, [2021]. Disponível em: https://bit.ly/3fyqmqB. Acesso em: 6 jul. 2021.
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Súmula 523. A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices. Brasília, DF: STJ, 2015.
BUSATO, Paulo César. Direito Penal: parte geral: volume 1. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2018. 
CUNHA, R. S. Manual de direito penal: parte geral. 8. ed. Salvador, BA: Juspodivm, 2020. 
GOMES, L. F. Erro de tipo e erro de proibição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte geral. 20. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2018.
PRADO, L. R. Tratado de direito penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. 
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Para o STJ, estupro de menos de 14 anos não admite relativização. Jusbrasil, 2014. Disponível em: https://bit.ly/37m54ba. Acesso em: 7 jul. 2021.

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