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praticar para aprender
Caro aluno,
Na seção anterior, você aprendeu alguns princípios fundamentais do Direito Penal: reserva legal, intervenção mínima, lesividade, humanidade, culpabilidade. Foi possível perceber a importância desses princípios para a compreensão e para a interpretação das normas penais e do significado histórico, político e social do ordenamento jurídico penal, cujas bases repousam na Constituição Federal (CF) e têm como fim a construção e a efetividade do Estado Democrático de Direito.
A partir do estudo dos princípios fundamentais, você pôde compreender os pilares do Direito Penal e suas consequências práticas para a aplicação das normas penais. Em razão do princípio da reserva legal, ninguém poderá ser punido por crime não definido por lei anterior e cuja pena não possua prévia cominação legal. O princípio da intervenção mínima impõe que o Direito Penal seja reservado apenas para os casos de ofensa grave aos bens jurídicos tutelados. Dele decorrem outros dois princípios, a saber, da subsidiariedade e da fragmentariedade do Direito Penal. Já o princípio da lesividade exprime que só poderá ser objeto de punição o comportamento que, no mínimo, coloque em perigo um bem jurídico relevante tutelado. O princípio da humanidade, por sua vez, impõe a racionalidade na aplicação da pena, de modo que são proibidas penas cruéis e degradantes. Por fim, o princípio da culpabilidade determina uma análise subjetiva da responsabilidade penal, ou seja, a pena deve ser aplicada no caso concreto de acordo com os limites legais. Derivam da culpabilidade outros dois importantes princípios: da intranscendência e da individualização da pena.
Nesta seção, você continuará conhecendo e aprendendo sobre outros princípios aplicáveis ao Direito Penal. Não se esqueça de que, além de auxiliar na interpretação das normas, os princípios também são importantes ferramentas na elaboração das leis, sendo que estão previstos, em grande parte, na Constituição e, muitas vezes, decorrem de Tratados Internacionais de Direitos Humanos.
Foi apresentada a você, na última seção, a seguinte situação-problema: após condenação, o juiz determinou a transferência de Bruno e de Tiago, com a concordância do Ministério Público, para uma penitenciária em cidade diversa, pois, onde residem e praticaram o crime, não há penitenciária, e a cadeia pública está superlotada. Alegando violação do direito à assistência familiar, os parentes de Bruno e de Tiago procuraram Beatriz, advogada dos réus, solicitando que tomasse as providências cabíveis para impedir a transferência. Para resolver a situação-problema, era necessário responder às questões: qual foi o princípio utilizado pelo magistrado para fundamentar a transferência? A decisão foi adequada?
Ao auxiliar Beatriz, foi possível perceber que o princípio da humanidade determina que a pena aplicada, bem como o seu cumprimento, deve obedecer a critérios racionais e proporcionais, ou seja, não são permitidas penas cruéis ou degradantes. Na situação-problema proposta, o juiz agiu discricionariamente ao transferir os dois presos para um estabelecimento prisional em outra cidade. O direito à assistência familiar não é absoluto, tendo em vista o interesse público envolvido. No caso, a superlotação do sistema penitenciário permitiu a transferência para outro município como medida para garantir a dignidade e a integridade física e psicológica dos condenados no cumprimento da pena, de modo que a decisão foi corretamente fundamentada no princípio da humanidade.
No entanto, é preciso recordar o enunciado sumular vinculante nº 57 do STF que analisamos anteriormente na Seção 1.2. Diante disso, apresento-lhe a situação-problema desta seção: imagine que, no dia em que Antônio registrou o boletim de ocorrência pelo furto de seu aparelho celular, praticado em conjunto por Bruno e Tiago, erroneamente o delegado tenha instaurado dois inquéritos policiais pelo mesmo fato. Assim, já condenados e cumprindo pena pelo furto do celular de Antônio, mediante concurso de agentes, Bruno e Tiago são novamente citados para responder outra ação penal pelo mesmo fato. Sem entender o ocorrido, Bruno e Tiago entram em contato com Beatriz, advogada recém-formada que os representa, para que ela esclareça a situação. Para auxiliá-la, você deve investigar se é possível responder a dois processos pelo mesmo fato. Além disso, será preciso responder: qual princípio embasará o pedido de trancamento da nova ação penal, ou seja, qual princípio permite encerrar o novo processo?
Para ajudar Beatriz a solucionar a situação-problema você precisará:
- Compreender os princípios penais trabalhados na seção e a função de cada um para o Direito Penal.
- Descobrir se há possibilidade de mover mais de uma ação penal pelo mesmo fato e qual é o princípio aplicável a esse tipo de situação.
- Entender que há diferença entre ser denunciado duas vezes por causa do mesmo fato, ou seja, responder a um processo criminal pelo mesmo fato duas vezes, e responder a mais de um processo criminal pelo mesmo tipo de crime, mas em razão de fatos (condutas e resultados) diversos.
Agora que você conheceu a situação-problema proposta, é importante que faça a leitura desta seção para aprender novos princípios e para auxiliar Beatriz a descobrir de que modo poderá ajudar Bruno e Tiago.
conceito-chave
Princípio da lesividade ou ofensividade: esse princípio impõe que, para a punição de uma conduta, esta deve ser efetivamente gravosa, ou seja, deve ofender e provocar uma lesão real e concreta ao bem jurídico tutelado. Sua previsão no ordenamento jurídico é implícita. Ademais, somente poderá ser objeto de punição o comportamento que afronte o direito de outros indivíduos. Não cabe ao Direito Penal, e muito menos está ele legitimado a isso, a educação moral dos indivíduos.
Reflita
Considerando o princípio da ofensividade, é possível dizer que os crimes de perigo abstrato são inconstitucionais? Por quê?
Trata-se de um importante instrumento para os operadores do direito, pois permite adequar a norma ao caso concreto, evitando que as imperfeições legislativas repercutam no caso concreto. Mas também é postulado que limita a atividade do legislador. Dessa forma, a doutrina afirma que o princípio ofensividade possui duas funções. A primeira é política-criminal, servindo para nortear a atividade do legislador que não deve criminalizar condutas inócuas para os bens jurídicos. A segunda função é chamada dogmática-interpretativa e serve ao juiz, o qual deve declarar a inconstitucionalidade da norma incriminadora que viola esse princípio.
Assimile
A posse ou o porte de arma desmuniciada configura crime? Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e para o Superior Tribunal Federal (STF), sim. Por se tratar de crime de perigo abstrato, a mera posse ou o porte de arma desmuniciada já configura crime, tendo em vista que o bem jurídico tutelado é a segurança pública e a paz social.
Veja uma decisão do STF sobre a inexistência de crime quando o agente porta uma munição como pingente.
Disponível em: https://bit.ly/3640wWh. Acesso em: 11 maio 2021.
Baseando-se nesta última decisão do STF, o STJ também passou a aplicar o princípio da insignificância quando se trata de posse de pequena quantidade de munição, desacompanhada de armamento capaz de deflagrá-la, uma vez que ambas as circunstâncias conjugadas denotam a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Faça você mesmo
Pesquise na doutrina e na jurisprudência as seguintes questões: constitui crime quando o agente porta somente a munição sem a arma? E quando a arma está quebrada? A arma deve ter sido apreendida e periciada?
Princípio da insignificância ou bagatela: trata-se de uma criação do doutrinador alemão Claus Roxin no ano de 1964, mas que apenas há poucas décadas passou a ser aceita pela jurisprudência brasileira. Não havia previsão expressa em nosso ordenamento jurídico para esse princípio, devendo ser aplicado de acordo com as características do caso concreto. Está sedimentado no pressuposto da tipicidade penal material, isto é, será insignificante aquela conduta que não lesionar um bem jurídico penalmente protegido. Portanto, a natureza jurídica do princípio da insignificância é de causa supralegal de exclusão da tipicidade material (CUNHA, 2020, p. 83).
Pesquise mais
Qual é a distinção entre o princípio da insignificância e a infração bagatelar imprópria?
A aplicabilidade do princípio da insignificância deve ser analisada diante do caso concreto, razão pela qual mostram-se inadequadas as afirmativas de que esse princípio somente se aplica às infrações de menor potencial ofensivo ou que se baseia tão somente no valor patrimonial do bem. Vários fatores devem ser levados em consideração para se verificar sua incidência (ou não).
Reflita
Qual é a distinção entre furto insignificante e furto de pequeno valor?
O Ministro Celso de Mello, no HC nº 84.412-0/SP, trouxe quatro postulados objetivos a serem analisados conjuntamente para a incidência do princípio da insignificância. A saber: mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Assim como nas demais decisões judiciais (art. 93, inciso IX, CF), ao aplicar o princípio da insignificância, o juiz ou o Tribunal deverá, de modo fundamentado, indicar a presença dos quatro requisitos acima, pois a aplicação do princípio da insignificância exige uma análise criteriosa do caso concreto, tendo em vista que sua aplicação de forma indiscriminada pode funcionar como incentivo à prática de pequenos delitos, especialmente os de cunho patrimonial.
Contudo, requisitos são severamente criticados por boa parte da doutrina, a exemplo de Paulo César Busato, afinal repetem os mesmos conceitos com palavras diferentes (BUSATO, 2018, p. 59). Pura tautologia, que serve para pouco mais do que preencher modelos de sentença, sendo praticamente impossível diferenciar um requisito do outro. Porém, percebe-se, com esses vetores, que não basta o pequeno prejuízo gerado pelo crime; também é necessário o pequeno desvalor da conduta. Dessa forma, não há que se falar em insignificância em um crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, tal como o crime de roubo, mesmo que este gere irrelevante prejuízo financeiro.
Atenção
Quando configurada a habitualidade na conduta, ou seja, a reincidência delitiva, tal princípio pode ser aplicado? Não é possível fixar uma regra sobre essa questão, devendo ser analisado o caso concreto. No entanto, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de inadmitir o princípio da insignificância em se tratando de habitualidade criminosa em delitos de determinada natureza, embora a reincidência por si só NÃO seja suficiente para afastar o princípio. Sobre o assunto veja:
STF. 2ª Turma aplica princípio da insignificância a tentativa de furto de moedas e garrafas de bebida. Portal Supremo Tribunal Federal, Brasília, 14 abr. 2020.
Segundo a jurisprudência do STJ, não se aplica o princípio da insignificância aos crimes praticados contra a Administração Pública, por menor que seja a reprovabilidade da conduta e o valor apropriado, tendo em vista que, além da proteção ao bem jurídico e ao patrimônio, está em jogo também a moral administrativa, que deve ser preservada. Aliás, o verbete nº 599 da súmula do STJ diz exatamente isso: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública” (BRASIL, 2010b, [s. p.]). No entanto, o STF possui decisões em que chegou a admitir o princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública, como no âmbito do HC nº 107370.
Quando se tratar de crime contra o meio ambiente, ao analisar o caso concreto, o aplicador deverá ter em mente a potencialidade lesiva de ofensa ao meio ambiente como um todo e não apenas o dano em razão de seu valor. Assim, em matéria ambiental é cabível o princípio da insignificância, mas deve ser feita uma análise criteriosa.
Nos crimes contra a ordem tributária, qual o valor é considerado insignificante? STF afirma que serão insignificantes as dívidas ativas que não ultrapassam R$ 20,000,00. O STJ passou a seguir o mesmo entendimento a partir do REsp. nº 1.688.878. Neste sentido, acesse:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.688.878. Relator: Min. Sebastião Reis Júnior, 28 de fevereiro de 2018. Jusbrasil, Brasília, 2018.
O princípio da insignificância aplica-se aos atos infracionais? Sim, desde que verificados todos os requisitos no caso concreto.
O princípio da insignificância aplica-se aos casos envolvendo lesão corporal leve praticada sob a égide da Lei Maria da Penha? Não, uma vez que a violência física é incompatível com os postulados desse princípio. Neste sentido, verifique o enunciado 589 da súmula do STJ: “É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas” (BRASIL, 2010a, [s. p.]).
É possível a aplicação do princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas? Não, uma vez que o tráfico é crime de perigo abstrato praticado em detrimento da saúde pública.
O porte de droga para consumo pessoal é passível de aplicação do princípio da insignificância? Há divergência nesse ponto. O STJ entende que não é possível a aplicação da insignificância nesse delito, tendo em vista que se trata de crime de perigo abstrato. O STF, por sua vez, no HC nº 110475, entendeu que é possível tal aplicação.
Pesquise na jurisprudência e na doutrina outras hipóteses em foram (ou não) aplicados o princípio da insignificância ao caso concreto.
Princípio da proporcionalidade: segundo esse princípio, a pena não pode ser maior que o grau de responsabilidade previsto na norma penal para a prática do fato criminoso. Implica dizer que para cada tipo de crime há um tratamento previsto e que, ao aplicar a pena, o juiz deve considerar todas as peculiaridades do caso concreto. Isso é reflexo da intervenção mínima e da fragmentariedade, as quais exigem que todos os instrumentos do Direito Penal sejam dotados de proporcionalidade (adequação + necessidade + proporcionalidade em sentido estrito). Portanto, a proporcionalidade pode ser entendida como um sinônimo de justa retribuição. Dessa forma, a pena não pode ser excessiva, mas também não pode ser insuficiente (SANTOS, 2017, p. 29).
Lembre-se
Para cada tipo de crime a lei prevê um tratamento específico. A própria Constituição exprime o sentido do princípio da proporcionalidade ao determinar que os crimes de menor potencial ofensivo tenham tratamento mais brando que os crimes considerados mais gravosos, que estão no topo da pirâmide de reprovabilidade social. Veja só:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; [...]
Art. 5° [...]
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
Princípio da igualdade: previsto no caput do art. 5° da CF, ele determina que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, [2020, s. p.]).
Princípio do estado de inocência: também oriundo da Constituição (art. 5°, inciso LVII), prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, [2020, s. p.]). Tal princípio também é conhecido como princípio da presunção de não culpa.
A partir dele, o cidadão que comete um crime ou é acusado da prática só será efetivamente considerado culpado após o término do processo e tendo sido esgotados todos os recursos possíveis. Antes da condenação transitada em julgado, o acusado é considerado inocente e sem antecedentes criminais.
Reflita
A utilização de algemas fere o princípio do estado de inocência?
Assimile
Questão interessante sobre esse ponto refere-se à execução provisória da pena. Imagine a seguinte situação: Clarissa foi condenada a uma pena privativa de liberdade de dez anos pelo Juízo de 1º grau, podendo recorrer em liberdade. Em sede de apelação, Clarissa conseguiu ter sua pena reduzida para sete anos. Contra esse acórdão, o advogado de Clarissa manejou simultaneamente Recurso Especial (Resp) (STJ) e Recurso Extraordinário (Rext) (STF). Clarissa poderá aguardar o julgamento de tais recursos solta? Mesmo sem haver o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ela será compelida a iniciar a execução provisória de sua pena?
Pelas decisões que vinham sendo tomadas pelo STF até fevereiro de 2016, a resposta seria NÃO, isso porque, pendente qualquer recurso, ainda vigoraria em favor do réu o princípio da presunção de inocência, de modo que seria incabível a execução provisória da pena. Nesse caso, o réu só poderia estar preso preventivamente se presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal (CPP).
Contudo, em 17 de fevereiro de 2016, no âmbito do HC nº 126.292/SP, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, o STF entendeu que seria possível a execução provisória da pena após a prolação de acórdão condenatório no 2º grau de jurisdição. Isso não ofenderia o princípio da presunção de inocência, tendo em vista que o Resp e o Rext não possuem efeito suspensivo, permitindo a execução provisória da pena. Ademais, tais recursos limitam-se a discutir direito e não prova.
Contudo, as reviravoltas jurisprudenciais do STF não pararam por aí.
No dia 7 de novembro de 2019, no julgamento da ADC nº 43, 44 e 54, a Suprema Corte retomou seu antigo entendimento concernente à necessidade de esgotamento de todos os recursos para que se autorize a execução definitiva de pena. Esta é, atualmente, a posição que prevalece na jurisprudência: a prisão, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, deve ser fundamentada em razões de cautela lastreadas no Código de Processo Penal. Para o inteiro teor da decisão, veja o documento Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 43 (AÇÃO..., [s. d.]).
reflita
A Lei da Ficha Limpa fere o princípio do estado de inocência?
Princípio do in dubio pro reo: em caso de dúvida do aplicador diante do caso concreto, opta-se pela absolvição a fim de evitar que um abuso seja praticado contra um inocente.
Reflita
Tratando-se de crime de competência do juiz, se houver dúvida no momento de proferir a sentença, tendo em vista que, no Direito Penal, objetiva-se alcançar a verdade real no processo, deverá o juiz absolver o réu.
Entretanto, tratando-se de crimes contra a vida, cuja competência é do Tribunal do Júri – ou seja, serão os jurados (leigos) que proferirão o veredicto –, em caso de dúvida do juiz, vigora o princípio in dubio pro societate (decisão em favor da sociedade). Assim, após o encerramento da primeira fase do processo pelo rito do Júri, estando o magistrado em dúvida, deverá proferir uma sentença de pronúncia e encaminhar o réu para julgamento em plenário, pelos seus pares.
Princípio do ne bis in idem: impõe a proibição de dupla condenação e acusação. Isso significa que uma pessoa não pode ser acusada por fato que já foi julgado em definitivo por sentença absolutória. E também não poderá ser perseguida criminalmente em dois processos distintos baseados na mesma imputação.
Não se deve confundir a impossibilidade de dupla punição do princípio em análise com os casos de reincidência delitiva, ou seja, quando o agente pratica o mesmo tipo de crime por diversas vezes (vários furtos em circunstâncias distintas). O princípio do ne bis in idem proíbe a dupla punição exclusivamente em relação à mesma conduta. Portanto, condutas diversas ou repetidas, embora constituam o mesmo tipo de crime, serão indubitavelmente alvo de tutela penal.
Assimile
O sujeito que, após cinco anos do término do cumprimento da pena, for novamente condenado com trânsito em julgado por novo crime será considerado reincidente. Nesse caso, na segunda fase da dosimetria, o Juiz aumentará a pena do agente em razão da agravante da reincidência. Diante disso, é possível afirmar que a punição com a agravante da reincidência constitui bis in idem?
- 1ª corrente: SIM, uma vez que o juiz considera o mesmo fato duas vezes ao aplicar a pena.
- 2ª corrente: NÃO, pois a maior punição daquele que é reincidente contumaz na prática de delitos é justificada em razão da maior reprovabilidade de sua conduta. Essa segunda corrente é adotada pelo STJ e pelo STF.
Princípio da aplicação da lei penal mais favorável: encontra-se previsto no art. 5°, inciso XL, da CF, e no art. 2° do Código Penal (CP). Possui dois desdobramentos: irretroatividade da lei mais grave e retroatividade da lei mais benéfica: “Art. 5° [...] XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (BRASIL, [2020, s. p.]).
Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
- Novatio legis incriminadora: se surgir uma nova lei que torna típico fato anteriormente não punível, será aplicável somente aos fatos praticados posteriormente a sua entrada em vigor.
- Abolitio criminis: caso a nova lei deixe de incriminar fato anteriormente considerado como crime, retroagirá beneficiando todos os fatos praticados antes de sua vigência, pois não haverá mais, por parte do Estado, interesse na punição daquela conduta. Portanto, a nova lei mais benéfica alcançará inclusive os casos em que já houve julgamento e afastará os efeitos da condenação.
- Novatio legis in pejus: na hipótese de nova lei mais severa que a anterior, por exemplo, que aumente a punição para determinado crime, não retroagirá aos fatos praticados antes de sua vigência, sendo aplicável apenas aos fatos futuros.
- Novatio legis in mellius: configura-se no caso de surgimento de lei nova mais benéfica, por exemplo, que diminua a pena para determinado crime, retroagindo para beneficiar o acusado, mesmo que o fato tenha sido praticado antes de sua vigência.
Em síntese, havendo conflito de leis, será sempre aplicada a lei penal mais favorável ao acusado.
Como você pôde perceber, há inúmeros princípios aplicáveis ao Direito Penal e todos eles se entrelaçam, buscando sempre a segurança jurídica e a efetividade das premissas que compõem o Estado Democrático de Direito.
Pesquise mais
Sugestões para aprofundar seus conhecimentos:
Para saber mais sobre como funciona o Tribunal do Júri, acesse o documento O Tribunal do Júri (O TRIBUNAL..., [s. d.]). (São de competência do Tribunal do Júri os seguintes delitos: homicídio doloso, infanticídio, participação em suicídio, aborto – tentados ou consumados – e seus crimes conexos. O procedimento adotado pelo Júri é especial e possui duas fases:
- 1ª fase – judicium accusationis ou juízo de acusação.
- 2ª fase – judicium causae ou juízo da causa.
Para saber mais sobre os princípios constitucionais penais.
FLORENCE, R. C. B. Princípios constitucionais penais. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3710, 28 ago 2013.
Veja também o filme a seguir:
RISCO duplo. Direção: Bruce Beresford. Roteiro: Douglas S. Cook e David Weisberg. EUA: Paramount Pictures, 2000. (105 min). (O filme auxilia na reflexão sobre o princípio do ne bis in idem. Após ser acusada e condenada e ter de cumprir pena pelo assassinato de seu marido, a protagonista parte em busca da verdade). O filme deve ser entendido sob a ótica do direito brasileiro.
Reflita
Vamos analisar a decisão a seguir para entendermos o que ocorreu:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CP. ABSOLVIÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NESTA INSTÂNCIA EXTRA- ORDINÁRIA. SÚMULA Nº 7/STJ. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça há muito se consolidou no sentido de que, em se tratando de crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima tem alto valor probatório, considerando que delitos dessa natureza geralmente não deixam vestígios e, em regra, tampouco contam com testemunhas. 2. No caso, contudo, o tribunal distrital, competente pela análise do conteúdo probatório dos autos, concluiu pela ausência de credibilidade da acusação, eis que a palavra da vítima não teria sido corroborada pelas demais provas produzidas, razão pela qual aplicou o princípio in dubio pro reo para absolver o ora recorrido com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
A reforma do aresto impugnado demandaria o necessário reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado no julgamento do Recurso Especial por esta corte superior de justiça, que não pode ser considerada uma terceira instância revisora ou tribunal de apelação reiterada, a teor do enunciado nº 7 da Súmula deste sodalício. 4. Agravos regimentais improvidos.
Como você aprendeu estudando os princípios, nos crimes de competência do juiz, havendo dúvida, ele deverá absolver o acusado em razão do princípio do in dubio pro reo. No caso retratado, tendo em vista que nenhuma das provas produzidas confirmou o relato da vítima e considerando as consequências nefastas de uma condenação infundada, o STJ optou por manter a decisão do juiz de primeira instância do Distrito Federal, que houve por bem em absolver o acusado da prática do delito de estupro.
Faça você mesmo
Analise a jurisprudência a seguir e considere o conteúdo estudado na seção para interpretar a decisão e reescrevê-la com suas palavras:
PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
REINCIDÊNCIA. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça estabeleceram os seguintes requisitos para a aplicação do princípio da insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade: a) conduta minimamente ofensiva; b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) lesão jurídica inexpressiva, os quais devem estar presentes, concomitantemente, para a incidência do referido instituto. 2. Esta corte superior de justiça possui o entendimento de que não se aplica o princípio da insignificância quando configurada a habitualidade na conduta criminosa. 3. Hipótese em que não há que se falar em reduzido grau de reprovabilidade no comportamento do agente, já que não se pode considerar apenas o valor do objeto furtado, mas também o fato de ostentar conde- nações anteriores transitadas em julgado. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
faça valer a pena
Questão 1
Com efeito, a insignificância ou irrelevância não é sinônimo de pequenos crimes ou pequenas infrações, mas se refere à gravidade, extensão ou intensidade da ofensa produzida a determinado bem jurídico penalmente tutelado, independentemente de sua importância. A insignificância reside na desproporcional lesão ou ofensa produzida ao bem jurídico tutelado, com a gravidade da sanção cominada.
Acerca do princípio da insignificância, o Supremo Tribunal Federal desenvolveu quatro vetores pelos quais controla a aplicação de tal postulado. Marque a alternativa que enumera todos os quatro.
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
Tente novamente...
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Correto!
Os vetores criados pelo Supremo Tribunal Federal são: mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, inexpressividade da lesão jurídica. A aplicação do princípio não depende do bem jurídico ser estritamente patrimonial. Ademais, a primariedade ou reincidência do agente, por si só, não é obstáculo à aplicação deste postulado.
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Questão 2
Normas jurídicas compreendem regras e princípios jurídicos, componentes elementares do ordenamento jurídico, que determinam o que é devido no mundo real: as regras são normas de conduta realizadas ou não realizadas pelos seres humanos; os princípios são normas jurídicas de otimização das possibilidades de realização jurídica dos mandados, das proibições e das permissões da vida real.
Leia as seguintes assertivas e, em seguida, marque a alternativa que relaciona os princípios jurídicos aos seus significados.
Lorem ipsum | Lorem ipsum | Column 4 |
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Tente novamente...
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Correto!
O princípio da insignificância exige um mínimo de violação concreta ao núcleo material do bem jurídico, sem o qual não haverá tipicidade material. O princípio da lesividade proíbe que o Direito Penal preveja, nos tipos penais, a criminalização de atitudes internas, atos de cogitação ou outros que são incapazes de violar o bem jurídico de terceiros. O princípio do estado de inocência afirma que todos os indivíduos devem ser considerados inocentes até que sentença penal transitada em julgado diga o contrário e o princípio do ne bis in idem proíbe que, sobre a mesma conduta, incidam duas punições distintas.
Questão 3
O modelo político consagrado pelo Estado Democrático de Direito determina que todo o Estado – em seus três Poderes, bem como nas funções essenciais à justiça – resulta vinculado em relação aos fins eleitos para a prática dos atos legislativos, judiciais e administrativos. Em outros termos, toda a atividade estatal é sempre vinculada axiomaticamente pelos princípios constitucionais explícitos e implícitos. As consequências jurídicas dessa constituição dirigente são visíveis. A primeira delas verifica-se pela consagração do princípio da proporcionalidade, não como simples critério interpretativo, mas como garantia legitimadora/limitadora de todo o ordenamento jurídico infraconstitucional.
Considere as seguintes assertivas e, em seguida, marque a alternativa que melhor completa as lacunas.
O princípio da proporcionalidade exige, para justificação da retribuição penal, um juízo de __________, que compreende uma análise de eficácia da medida, __________ que consiste na verificação de que não há outro caminho menos gravoso a se seguir e __________ pela qual a intervenção que se propõe não pode ser mais gravosa que a lesão que visa coibir.
Tente novamente...
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Correto!
O princípio da proporcionalidade exige, como uma máxima de justa retribuição, juízo de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, de forma a proibir, ao mesmo tempo, o excesso de punição e a proteção deficiente de bens jurídicos. A mínima ofensividade de conduta, a ausência de periculosidade social e a inexpressividade da lesão são vetores para aplicação do princípio da insignificância e do da fragmentariedade; intervenção mínima e ne bis in idem são princípios penais fundamentais.
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Referências
AÇÃO Declaratória de Constitucionalidade nº 43. Brasília, DF: [s. n., s. d.]. Disponível em: https://bit.ly/3dqoRK0. Acesso em: 23 maio 2021.
BITENCOURT, C. R. Tratado de direito penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva educação, 2020.
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