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Caro aluno,
Na seção anterior, você iniciou os estudos da teoria do crime tomando ciência dos conceitos de delito adotados pela doutrina (formal, material e analítico) e também dos requisitos objetivos do fato típico, bem como de seus desdobramentos. Foi possível perceber que, pelo conceito finalista, a ação é um comportamento humano voluntariamente dirigido a uma finalidade. Aprendeu que a conduta humana pode ocorrer por meio de um agir positivo ou negativo (omissão própria e imprópria) e suas causas de exclusão (coação física irresistível, atos reflexos e atos de inconsciência). Além disso, foi levado a seu conhecimento que o resultado pode ser natural ou jurídico. Ademais, sobre o nexo de causalidade, você descobriu que o Brasil adota, como regra, a teoria da conditio sine qua non, mas, em razão de suas limitações, há necessidade de ser complementada pela teoria da imputação objetiva. Por fim, foram apresentados os conceitos de tipicidade formal, material e conglobante, sendo esta última preconizada pelo argentino Eugênio Raúl Zaffaroni (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011, p. 399).
Como explicado na última seção, a análise do fato típico pressupõe a averiguação em concreto dos requisitos objetivos, já analisados, e também dos subjetivos. Terão início, nesta seção, seus estudos sobre os requisitos subjetivos do tipo penal, a começar pelo dolo. A culpa, por sua vez, será o objeto de estudo da Seção 3.1.
Imagine uma nova situação-problema próxima da realidade profissional: Alessandro é frentista de um posto de gasolina e, após embriagar- se na noite da virada de fim de ano, conduziu seu veículo em uma avenida movimentada do Rio de Janeiro (RJ) na velocidade de 105 km/h, quando atropelou e matou cinco pessoas que estavam no ponto de ônibus. Testemunhas que estavam no local ouviram gritos de Alessandro, o qual supostamente teria colocado a cabeça para fora do carro e pronunciado os seguintes dizeres: “Se não saírem da frente eu atropelo. Azar se matar!”. A família de uma das vítimas procurou Lívia para que ela ingressasse em juízo como assistente da acusação. Após o aceite, Lívia pediu a Júlio que a ajudasse a compreender a acusação imputada a Alessandro.
Pergunta: a conduta de Alessandro constitui dolo? De qual espécie? Para responder a essa indagação, você deverá compreender o conceito de dolo e seus elementos e o de dolo eventual e suas principais características.
Diante disso, é importante o aprofundamento do conteúdo a fim de facilitar a resolução da situação apresentada.
Está curioso para saber a resolução desse problema? Vamos começar os estudos desta seção!
conceito-chave
Conforme conceito analítico, crime é um fato típico, ilícito e culpável.
O fato típico pressupõe a análise de um tipo objetivo e de um tipo subjetivo. Verificada em um caso concreto a presença de ação, resultado, nexo causal e tipicidade, bem como constatada a autoria ou a participação (será analisada na Seção 4.3), passa-se à análise da existência do requisito subjetivo do tipo, consubstanciado no dolo ou na culpa. Esta seção, particularmente, será dedicada apenas ao estudo do crime doloso.
Luiz Regis Prado (2010) adverte que o dolo é a vontade consciente de realizar os elementos objetivos do tipo penal. Pode-se dizer que o dolo é a regra no ordenamento jurídico, de modo que a modalidade culposa deve vir expressa no tipo penal.
Serão analisadas a seguir as teorias, os elementos e as espécies de dolo.
Teorias do dolo
Ao longo do tempo, diversas teorias tentaram explicitar a definição de dolo, como as teorias da vontade, da representação ou do consentimento. São elas:
• Teoria da vontade: dolo é a vontade de praticar uma ação para causar determinado resultado. Dessa forma, não basta ter o resultado como provável ou possível, é necessário que ele tenha sido desejado pelo agente.
• Teoria da representação: para a configuração do dolo, basta a previsão de um resultado como certo ou provável de ocorrer, isto é, representa a simples probabilidade de ofensa a um bem jurídico penalmente protegido. Trata-se, na verdade, de simples antecipação mental do resultado.
• Teoria do consentimento: Configura-se o dolo quando há consentimento na ocorrência do delito ou, ainda, assunção do risco de produzir determinado resultado.
O art. 18 do Código Penal (CP) dispõe que: “diz-se o crime: [...] I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” (BRASIL, 2017, p. 15).
Conforme disposição legal, tem-se caracterizado o dolo quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Isso significa que o Código Penal adotou a teoria da vontade em relação ao dolo direto e a teoria do consentimento no tocante ao dolo eventual.
Elementos do dolo
O dolo é a consciência e a vontade de realizar a infração penal, ou seja, compõe-se de um elemento cognitivo, que é a consciência, e de um elemento volitivo, caracterizado pelo desejo em cometer o delito.
Vamos analisar detalhadamente cada um deles?
• Elemento cognitivo ou intelectual – consciência: Bitencourt (2020) afirma que, para a configuração do dolo, exige-se previsão ou representação daquilo que se pretende praticar. Tal previsão/representação significa o conhecimento, pelo autor do delito, de todos os elementos que integram o tipo penal, bem como a consciência em realizá-los. É imprescindível que essa consciência seja atual, isto é, deve existir no momento da prática criminosa. Aqui incide o erro de tipo, uma vez que este consiste na falsa percepção da realidade, o que será estudado em momento oportuno.
• Elemento volitivo – vontade: a configuração do dolo exige a vontade (o querer) de realizar a ação/omissão para atingir determinado resultado. Bitencourt (2020) afirma que essa vontade pressupõe a possibilidade de influir no curso causal, uma vez que tudo o que estiver fora do âmbito de atuação concreta do agente pode ser desejado ou esperado, mas não significa querer realizá-lo.
Exemplificando
Busato (2015) afirma que, em razão dessa necessidade concreta de influir no curso causal, não é possível punir um homem que envia o seu amigo para comprar pães, às 18h, com a pretensão de que, dado o horário de rush, o fluxo exagerado de veículos resulte em seu atropelamento.
Cumpre mencionar que ambos os elementos são cumulativos, sendo imprescindíveis para a configuração do dolo. Assim, de nada adianta a presença da vontade sem a consciência da ação, ou a presença desta sem aquela.
Por fim, resta esclarecer que uma das maiores contribuições da teoria finalista foi a retirada da análise do dolo e da culpa da culpabilidade, terceiro elemento do crime, para sua inclusão no tipo penal.
Espécies de dolo
Bitencourt (2020) afirma que a necessidade de diversas espécies de dolo decorre da necessidade de a vontade consciente abranger o objetivo do agente, o meio utilizado, o nexo de causalidade e o resultado.
Assim, o dolo pode ser direto de 1º e 2º graus ou indireto (também chamado de dolo eventual).
• Dolo direto: conforme afirma Bitencourt (2020), o dolo direto compõe-se de três aspectos, quais sejam: a representação do resultado, dos meios necessários e das consequências secundárias; o querer a ação, o resultado, bem como os meios escolhidos para a sua consecução; e o anuir na realização das consequências previstas como certas, necessárias ou possíveis, decorrentes do uso dos meios escolhidos para atingir o fim proposto ou da forma de utilização desses meios. Dessa forma, pode-se dizer que há dolo direto quando o agente almeja alcançar um resultado e, para tanto, escolhe os meios adequados e admite os efeitos que podem advir de sua conduta.
Considera-se dolo direto de 1º grau quando o agente pratica um ato dirigido tão somente àquele que pretende atingir, ou seja, pratica atos tendentes a alcançar o fim perseguido, abrangendo, assim, os meios propostos. Um exemplo é o sujeito que desfere uma facada em outrem com o intuito de matá-lo.
O dolo direto de 2º grau, por sua vez, ocorre quando o agente direciona sua ação àquele que pretende atingir, mas, ao escolher os meios necessários para atingir o resultado, assume também seus efeitos colaterais. Exemplo recorrente na doutrina é o seguinte: Antônio, pretendendo matar Carlos, coloca uma bomba em um avião que o conduzia para a Suécia, matando todos que estavam no transporte. Em relação à morte de Carlos, o agente agiu com dolo direto de primeiro grau, mas, no tocante aos demais passageiros do avião, agiu com dolo direto de segundo grau, já que a morte de todos os outros passageiros foi uma consequência necessária do meio escolhido por Antônio para atingir o resultado (morte de Carlos).
Faça você mesmo
Com base nos exemplos citados, sugiro que você busque, na doutrina, outros exemplos em que se tem a figura do dolo direto de primeiro e de segundo graus.
• Dolo eventual: ocorre quando o agente, embora não queira diretamente o resultado, aceita sua ocorrência como possível ou provável, ou seja, assume o risco de produzi-lo. Para que seja configurada essa modalidade dolosa, é indispensável a presença, no caso concreto, da consciência e da vontade em produzir o resultado. Bitencourt (2020), reproduzindo as ideias de Alberto Silva Franco, explica que tolerar o resultado e assumir o risco de sua produção nada mais é do que querer.
Atualmente, discute-se com grande veemência a generalização do dolo eventual em detrimento da culpa consciente, principalmente nos casos que envolvem crimes cometidos no trânsito.
Assimile
Para analisarmos essa questão, faz-se necessária a antecipação do conceito de culpa consciente, a qual será abordada detalhadamente na Seção 3.1.
O art. 18, inciso II do Código Penal, dispõe que se considera crime culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
A culpa consciente ocorre quando o agente, embora preveja o resultado, confia que é capaz de evitar que ele ocorra.
Bitencourt (2020) afirma que a distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente constitui um dos maiores problemas da teoria do delito. Há em comum entre eles a previsão do resultado, mas, enquanto no dolo eventual o agente anui com o advento do resultado e assume o risco de produzi-lo, na culpa consciente o sujeito tem convicção de que não haverá superveniência do resultado, contudo, avalia mal e age, causando o resultado.
É importante ressaltar que a intensificação do tráfego de veículos aliada à imprudência dos motoristas tem desencadeado nas últimas décadas um aumento considerável do número de acidentes nas malhas rodoviárias, inclusive com vítimas fatais. Isso atrai, inevitavelmente, o âmbito de aplicação do Direito Penal, que tem enfrentado o seguinte questionamento: o sujeito que ingere bebida alcoólica ou outras substâncias entorpecentes, ou que conduz seu veículo acima da velocidade máxima permitida na via, assume o risco da produção do resultado, agindo com dolo eventual, ou confia na sua perícia a ponto de evitar o resultado, atuando com culpa consciente? É tênue a linha que separa o dolo eventual e a culpa consciente, cabendo à jurisprudência o enfrentamento de tais questões.
Que tal verificarmos como a jurisprudência atual tem tratado essa questão?
Pesquise mais
Recomenda-se a leitura dos artigos indicados a seguir.
SCARAVELLI, G. P. A aplicação banal do dolo eventual. Âmbito jurídico, São Paulo, 1º jun. 2014.
EL HIRECHE, G. F.; OLIVEIRA, G. D. F. de. O julgamento do HC 107.801/SP pelo STF: dolo eventual ou culpa consciente? Migalhas, [S. l.], 11 out. 2011.
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal concedeu o habeas corpus nº 107.801/SP a fim de desclassificar como crime de homicídio doloso aqueles praticados em acidente de trânsito, reclassificando-os como homicídio culposo. Nessa decisão, a Turma entendeu que a embriaguez alcoólica somente será punida a título doloso se for preordenada, ou seja, quando for comprovado que o agente se embriagou com o intuito de praticar o crime. Veja:
PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus.
2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual.
3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando- se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo [...].
Não obstante a decisão supramencionada, infere-se das mais recentes decisões dos Tribunais Superiores que, havendo embriaguez e velocidade acima da permitida, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que é possível que exista pronúncia, no rito do tribunal do júri, pois há indícios de que o agente assumiu o risco de causar o resultado lesivo ao bem jurídico. A saber:
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE HOMICÍCIO PRATICADO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO PREVISTO NO ARTIGO 302 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. DEBATE ACERCA DO ELEMENTO VOLITIVO DO AGENTE. CULPA CONSCIENTE X DOLO EVENTUAL. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. CIRCUNSTÂNCIA QUE OBSTA O ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO. REEXAME DE PROVA. ORDEM DENEGADA. [...] Naquela hipótese, a Primeira Turma entendeu que o crime de homicídio praticado na condução de veículo sob a influência de álcool somente poderia ser considerado doloso se comprovado que a embriaguez foi preordenada. No caso sob exame, o paciente foi condenado pela prática de homicídio doloso por imprimir velocidade excessiva ao veículo que dirigia, e, ainda, por estar sob influência do álcool, circunstância apta a demonstrar que o réu aceitou a ocorrência do resultado e agiu, portanto, com dolo eventual. IV - Habeas Corpus denegado.
Exemplificando
No dia 1º de dezembro de 2015, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal indeferiu o HC nº 127.774, no qual N. A. G., denunciado por homicídio qualificado e tentativa de homicídio em razão de acidente causado na condução de uma caminhonete após a ingestão de bebida alcoólica, pleiteou a desclassificação para homicídio culposo. O ministro relator Teori Zavascki entendeu que, pelas circunstâncias do caso concreto, mormente pela aparente indiferença demonstrada em relação ao resultado lesivo, tratava-se de dolo eventual.
Leia mais sobre o caso:
STF. (2. Turma). Habeas corpus 127.774/MS. Relator: Min. Teori Zavascki, 1º de dezembro de 2015. Jusbrasil, Brasília, 2015.
No entanto, decisões mais recentes têm afirmado que a questão do dolo eventual não pode ser reduzida a uma fórmula matemática na qual a soma de determinadas variáveis resultará, necessariamente, em um crime doloso ou culposo. É necessário analisar todas as circunstâncias do caso concreto para atribuir, através da leitura dos fatos objetivos, qual é a tipicidade subjetiva mais adequada. Isto é, a ingestão de álcool por si só não necessariamente configura dolo eventual, porém a combinação de elementos (alta velocidade, ausência de socorro) pode ajudar a compor o dolo eventual, sem que haja, obrigatoriamente, a presença ou ausência de dolo a partir de uma ou de outra circunstância. É o conjunto de circunstâncias no caso concreto que dirá. Cite-se uma interessante decisão do STJ, que sintetiza muito bem esse pensamento:
Não há regra matemática ou objetiva do dolo: a presença de uma ou duas ou três infrações ao dever de cautela não faz com que, a partir de determinado número, se considere como provado o dolo, ainda que eventual. Não obstante, a presença de três circunstâncias excesso de velocidade, embriaguez e fuga serve como justa causa para a imputação do dolo eventual, não sendo admissível a certeza jurídica da culpa consciente, para fins de desclassificação, nos termos do art. 419 do Código de Processo Penal. Aliás, as sentenças de desclassificação e absolvição sumária exigem o grau de certeza jurídica que, não sendo atingido, resta como caminho a admissão da justa causa para o júri, com a pronúncia.
[...]
[(VOTO VISTA) (MIN. LAURITA VAZ)] [...] na fase de pronúncia, o juiz deverá pronunciar o Réu quando entender pela presença de indícios mínimos (suficientes) de materialidade e autoria. Ademais, tal proceder também deverá ser levado a termo ante a constatação de coexistência de teses que, embora divergentes, estejam mínima igualmente embasadas.
Isso porque é do Tribunal do Júri juiz natural para o delito ora examinado a exclusiva competência, prevista no texto da Carta Magna, para apreciar tais versões, dirimir as questões controversas e decidir por uma das versões apresentadas, a fim de, no tocante ao cometimento de crimes dolosos contra a vida, condenar, absolver ou, ainda, desclassificar a conduta. (STJ, 2020, p. 27, 30 e 33)
[(VOTO VENCIDO) (MIN. ROGERIO SCHIETTI CRUZ)] A Sexta Turma do STJ, por outro lado, tem analisado o mérito da controvérsia, a partir da fundamentação do acórdão recorrido, e assentado a insuficiência da embriaguez para justificar a configuração de dolo eventual no homicídio no trânsito, ainda que conjugada com o excesso de velocidade, sem que haja menção a particularidades que ultrapassem a violação do dever objetivo de cuidado.
[...]
Não descuro que a embriaguez ao volante é circunstância negativa que deve contribuir para a análise do elemento anímico que move o agente. Todavia, não é a melhor solução estabelecer-se, como premissa aplicável a qualquer caso relativo a delito viário no qual o condutor esteja trafegando em velocidade superior à permitida e sob efeito de bebida alcoólica, que a presença do dolo eventual é o elemento subjetivo ínsito ao comportamento, a ponto de determinar que o agente seja submetido a Júri Popular mesmo que não se indiquem quaisquer outras circunstâncias que confiram lastro à ilação de que o réu anuiu ao resultado lesivo. (STJ, 2020, p. 18 e 23)
Reflita
A ingestão de álcool (ou substâncias entorpecentes) ou a condução de veículo automotor em velocidade acima da permitida configura, por si só, dolo eventual?
Destaca-se que a classificação do crime em dolo eventual ou culpa consciente traz sérias consequências para o réu. Isso porque, ao compreender a conduta como dolo eventual, o agente será submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, podendo ser aplicada a pena de 6 a 20 anos (art. 121 do CP), caso o homicídio seja simples. Inobstante, considerando a conduta como culpa consciente, o agente será julgado por um juiz togado e se sujeitará ao art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que dispõe que a prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor é sancionada com pena de dois a quatro anos de detenção e suspensão ou proibição da obtenção de permissão ou habilitação para dirigir.
A Lei nº 12.971/14 acrescentou o §2º ao art. 302 do CTB, nos seguintes dizeres:
2º Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente:
Penas - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Após a edição dessa lei, muitos juristas defenderam a ideia de que ficou impedido o tratamento do homicídio na condução de veículo automotor como doloso (dolo eventual), uma vez que fora acrescentado o §2º ao art. 302 do CTB, o qual dispôs que a condução de veículo sob efeito de álcool (ou outra substância psicoativa) e o racha serão considerados crimes culposos na forma qualificada, com alteração também dos limites mínimos e máximos da pena cominada.
No ano de 2017, contudo, o crime de homicídio culposo praticado sob a influência de álcool ou de outra substância psicoativa foi mais uma vez reformulado. Vigora hoje um novo parágrafo, incluído no art. 302 do CTB pela Lei nº 13.546/2017, com os seguintes dizeres: “Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” (BRASIL, 2017, [s. p.]).
A sanção penal, agora, é alta o bastante para abarcar a reprovabilidade da situação na qual uma pessoa é morta em ação imprudente no trânsito. Contudo, a discussão sobre a tipicidade subjetiva do homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor está muito longe de terminar. Isso porque existem várias decisões recentes (como o Resp nº 1.848.841 mostrado anteriormente) nas quais os tribunais superiores tendem a repelir fórmulas prontas, supostamente adequadas a qualquer caso concreto.
Sendo assim, você, como futuro jurista, deverá analisar caso a caso para aferir se, aceitando como provável o resultado, o agente assumiu o risco de sua produção ou se acreditou fielmente que seria capaz de evitar sua ocorrência.
Apesar dos conflitos de trânsito gerarem maior polêmica, existem inúmeros outros casos envolvendo a ocorrência ou não, no caso concreto, de dolo eventual.
Reflita
Lembra-se do acidente ocorrido na Boate Kiss, em Santa Maria (RS)? O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul denunciou os proprietários da boate e outras pessoas envolvidas por homicídio na modalidade de dolo eventual. Você concorda? Pesquise um pouco mais sobre o caso e discuta com seus colegas.
Pesquise mais
No âmbito da Operação Lava Jato, o juiz federal Sérgio Moro condenou Ivan Vernon Gomes Torres Jr. a uma pena de cinco anos pela prática do crime de lavagem de dinheiro, utilizando-se, para tanto, do dolo eventual.
Leia mais nos documentos a seguir:
RODAS, S. Sergio Moro condena por dolo eventual em lavagem; especialistas divergem sobre tese. Consultor jurídico, [S. l.], 5 nov. 2015.
Veja também:
RODAS, S. Moro condena ex-deputado Pedro Corrêa por corrupção e lavagem de dinheiro. Consultor Jurídico, [S. l.], 29 out. 2015.
É importante destacar, como já afirmado, que é necessária a análise do caso concreto para determinar a responsabilização a título de dolo eventual ou a culpa consciente, pois não é possível a existência de decisões preestabelecidas que desprezem as peculiaridades de cada caso.
Ultrapassada essa questão, passemos à análise de outras usuais classificações do dolo.
• Dolo genérico: é aquele já visto até o momento, consubstanciado na consciência e na vontade de praticar o delito. Ex.: art. 121 do CP – “matar alguém” (BRASIL, 2017, p. 47).
• Dolo específico ou especial fim de agir: é aquele em que, além do dolo genérico, também há uma finalidade específica. De acordo com Bitencourt (2011), a ausência desses elementos subjetivos especiais descaracteriza o tipo subjetivo, independentemente da presença do dolo, uma vez que constituem elemento subjetivo do tipo ilícito. Ex.: art. 159 do CP – “Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate” (BRASIL, 2017, p. 68).
• Dolo geral ou erro sucessivo: ocorre quando o agente pratica uma ação e supõe erroneamente ter alcançado o resultado. Ocorre que, para encobrir o resultado, realiza-se nova ação, a qual, de fato, é a responsável pelo resultado lesivo. Um exemplo clássico, emanado por Nelson Hungria, é de um sujeito que, após golpear outrem, atira o corpo em um rio. Com a autópsia, descobre-se que a morte adveio do afogamento e não das lesões praticadas. O erro quanto ao nexo causal não influi na imputação do agente.
• Dolo alternativo: o agente imagina uma pluralidade de resultados e dirige sua conduta à realização de qualquer um deles. Ex.: o sujeito deseja praticar lesão corporal ou homicídio.
• Dolo cumulativo: o agente pretende alcançar dois resultados, cuja lesão refere-se ao mesmo bem jurídico penalmente protegido. Ex.: o sujeito deseja ferir e depois matar.
• Dolo natural: é a análise puramente da consciência e da vontade, integrantes do tipo penal (defendida pelos finalistas, que propuseram a transposição da análise do dolo e da culpa da culpabilidade para o tipo penal).
• Dolo normativo: compreende a consciência, a vontade e a consciência da ilicitude, cuja análise é feita na culpabilidade. É uma teoria adotada pelo sistema clássico e não possui grande aceitação no Brasil.
• Dolo antecedente: é aquele que existe antes de iniciada a execução do crime. É indiferente para o Direito Penal, eis que o dolo deve ser atual.
• Dolo concomitante: é aquele que existe no momento da execução do crime. É punível para o Direito Penal.
• Dolo subsequente: é aquele que existe posteriormente à prática criminosa. Não é punível para o Direito Penal, pois o dolo deve ser atual.
Nesta seção você aprendeu as principais características do crime doloso, sendo apresentadas situações próximas à sua realidade, inclusive em relação ao grande debate existente atualmente na teoria do crime: dolo eventual x culpa consciente nos crimes de trânsito. Na próxima seção serão analisadas todas as nuances do crime culposo.
Faça você mesmo
Pesquise na jurisprudência novas situações em que se verifica o dolo eventual.
Para tanto, seguem algumas sugestões de pesquisa.
STF. Jurisprudência. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 2021.
STJ. Jurisprudência do STJ. STJ, Brasília, 2021.
TJSP. Consulta completa. Tribunal de Justiça de São Paulo, São Paulo, 2021.
TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Novo Portal TJMG, Belo Horizonte, 2021.
Faça valer a pena
Questão 1
“Dolo é a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em um tipo penal [...]. O dolo, puramente natural, constitui o elemento central do injusto pessoal da ação, representado pela vontade consciente de ação dirigida imediatamente contra o mandamento normativo”. (BITENCOURT, 2020, p. 373).
Diversas teorias tentaram explicar o conceito e a abrangência do dolo.
I. Segundo a teoria da representação, configura-se o dolo com a simples consciência da probabilidade de ofensa a um bem jurídico penalmente protegido.
II. De acordo com a teoria da vontade, configura-se o dolo quando há consentimento na ocorrência do delito ou, ainda, assunção do risco em produzir determinado resultado.
III. Consoante a teoria do consentimento, o dolo é a vontade em praticar uma ação para causar determinado resultado.
IV. A teoria da vontade prevê que não basta ter o resultado como provável ou possível, é necessário que ele seja desejado pelo agente.
Assinale a alternativa que contém as assertivas CORRETAS:
Correto!
Conforme a teoria da vontade, o dolo está presente quando há intenção direta de produzir o resultado lesivo descrito no tipo penal. Conforme a teoria da representação, para o dolo, basta o conhecimento de uma possível lesão ao bem jurídico. Já para a teoria do assentimento, o dolo está presente quando o agente aceita o risco da ocorrência do resultado que foi capaz de prever.
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Questão 2
O elemento intelectual do dolo deve incluir conhecimentos sobre os dados que caracterizam a conduta realizada como um tipo de ação, sejam ele descritivos ou normativos. Ou seja, é necessário, para a existência do dolo, que o sujeito compreenda estar realizando um tipo de ação ou omissão.
De acordo com o art. 18, inciso I do Código Penal, o crime será doloso quando o agente quiser o resultado ou assumir o risco de produzi-lo.
Quanto às teorias do dolo, analise as assertivas e em seguida marque a alternativa que melhor relaciona a teoria ou instituto com seu conceito.
Lorem ipsum | Lorem ipsum | Column 3 | Column 4 |
---|---|---|---|
I. Teoria da vontade. II. Teoria do assentimento. III. Teoria da representação. IV. Dolo direto de 2º grau. V. Dolo eventual. |
A. Ocorre quando o agente aceita a ocorrência de uma consequência necessária para o curso de ação que escolheu. B. Apregoa que o dolo está presente a partir da mera previsão subjetiva do resultado. C. Apregoa que o dolo está presente na intenção direta de produzir o resultado. D. Ocorre quando o agente aceita o risco da ocorrência de um possível resultado por ele previsto. E. Apregoa que o dolo está presente na assunção do risco de um resultado previsto. |
Correto!
O art. 18, inciso I do Código Penal (CP) brasileiro adota a teoria da vontade, segundo a qual o dolo está presente quando o agente deseja o resultado. O CP também adotou a teoria do assentimento, segundo a qual o dolo está presente quando o agente assume o risco da ocorrência do resultado. Não adotou a teoria da representação, que afirma existir dolo nas hipóteses em que o agente meramente prevê a probabilidade do resultado. O dolo direto de 2º grau ocorre quando o agente aceita a ocorrência de determinado resultado enquanto consequência necessária de seu comportamento e o dolo eventual ocorre quando o agente assume o risco de eventual resultado possível e previsível, porém incerto.
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Questão 3
Majoritariamente, rotula-se o dolo como um componente subjetivo implícito da conduta, pertencente ao fato típico, formado por dois elementos: o volitivo, isto é, a vontade de praticar a conduta descrita na norma, representado pelos verbos querer e aceitar e o intelectivo, traduzido na consciência da conduta e do resultado.
O dolo é formado pelo elemento cognitivo, que é a consciência, e também por um elemento volitivo, consubstanciado na vontade em cometer o delito.
É INCORRETO o que se afirma em:
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
Correto!
Segundo a doutrina penal contemporânea, o dolo deve possuir como características a atualidade, pois deve ser contemporâneo à conduta; a abrangência, pois deve abranger todos os elementos do tipo penal; e a possibilidade de influenciar o resultado, pois o dolo não se confunde com um mero desejo.
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Referências
BITENCOURT, C. R. Tratado de direito penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
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