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Caro aluno,
Na seção anterior, você concluiu os estudos sobre os princípios orientadores do Direito Penal: ofensividade, insignificância, proporcionalidade, igualdade, estado de inocência, in dubio pro reo, ne bis in idem e aplicação da lei penal mais benéfica. A compreensão dos princípios é de extrema importância para que você entenda o processo de elaboração, de aplicação e de interpretação das normas penais. Além disso, conhecê-los é conhecer também os parâmetros de atuação do Estado no exercício do jus puniendi, pois sabe-se que o Estado, representado em matéria penal pelo Ministério Público, tem o dever de punir as condutas que ofendam os bens jurídicos tutelados. Contudo, essa tarefa deve ser realizada de acordo com os princípios constitucionais-penais, sob pena de afronta ao Estado Democrático de Direito e à segurança jurídica.
Antes de iniciar os estudos desta seção, é importante que você relembre a função de cada princípio estudado. O princípio da ofensividade impõe que, para a punição de uma conduta, deve esta ser efetivamente gravosa, ou seja, deve ofender e provocar uma lesão real e concreta ao bem jurídico tutelado. O princípio da insignificância ou bagatela é uma construção da doutrina penal alemã e só pode ser aplicado de acordo com as características do caso concreto quando houver uma ofensividade mínima ao bem jurídico e desde que preenchidos os requisitos estabelecidos pela jurisprudência pátria dos Tribunais Superiores. O princípio da proporcionalidade determina que a pena não pode ser maior que o grau de responsabilidade previsto na norma penal para a prática do fato criminoso. O princípio da igualdade se traduz na máxima de que todos são iguais perante a lei. O princípio do estado de inocência prevê que, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ninguém poderá ser considerado culpado.
O princípio do in dubio pro reo vincula o magistrado a optar pela absolvição nos casos de dúvida.
O princípio do ne bis in idem se traduz em uma proibição inafastável à dupla punição pelo mesmo fato. E, por fim, o princípio da aplicação da lei penal mais favorável determina a observância de dois possíveis desdobramentos: irretroatividade da lei mais grave e retroatividade da lei mais benéfica.
Já que você concluiu seus estudos sobre os princípios que norteiam o Direito Penal, é hora de aprender sobre os tipos de infração penal, os sujeitos da infração penal e a validade temporal da lei penal.
Foi apresentada a você, na última seção, uma situação-problema em que o delegado responsável pela instauração do inquérito policial para apurar o furto de celular, praticado por Bruno e Tiago contra Antônio, erroneamente realizou a abertura de dois procedimentos criminais. Assim, já condenados e cumprindo pena pelo furto do celular de Antônio mediante concurso de agentes, os dois rapazes foram novamente citados para responder outra ação penal pelo mesmo fato. A situação-problema proposta era a seguinte: como auxiliar Beatriz, uma advogada recém-formada, contratada pela família de Bruno e Tiago, a impedir que ambos respondessem novamente pelo mesmo fato? Qual princípio se aplicaria ao caso?
Como você aprendeu, aplica-se, nessa situação, o princípio do ne bis in idem, segundo o qual ninguém poderá ser duplamente processado pelo mesmo crime. Desse modo, não há possibilidade de prosseguimento da ação penal, visto que Bruno e Tiago já responderam ao processo pelo furto do celular de Antônio e, inclusive, já estão cumprindo pena.
Diante disso, apresento a você uma nova situação-problema: refletindo sobre tudo o que está acontecendo em sua nova vida como advogada, sobre as batalhas que enfrentou para se formar e ser aprovada no exame de ordem e sobre a quantidade de coisas que tem aprendido na prática profissional, surgiu uma dúvida que fez Beatriz levantar questionamentos em relação ao seu primeiro caso criminal, o furto de celular praticado por Bruno e Tiago. Beatriz se lembra de ter aprendido que há dois tipos de infração penal: as reconhecidas como crime ou delito e as chamadas contravenções penais, porém não sabe dizer com certeza qual modalidade de infração penal constitui o fato praticado por Bruno e por Tiago em prejuízo de Antônio.
Ao pensar nisso, surgiu em sua mente outra dúvida: ela se recorda que, para cada infração penal, existem as figuras do sujeito ativo e do sujeito passivo, porém não consegue afirmar com certeza quem é o sujeito ativo e quem é o sujeito passivo do furto de celular praticado por seus clientes.
Para ajudar Beatriz a solucionar suas dúvidas na situação-problema, você precisará:
- Compreender o conceito de infração penal e suas espécies.
- Aprender a diferença entre sujeito ativo e sujeito passivo de infrações penais.
conhecimentos teóricos, que o auxiliarão a solucionar a questão e também a aprender sobre a validade temporal da lei penal.
conceito-chave
As escolas penais surgiram num período histórico relativamente recente. Sob perspectivas diversas, todas elas tentam, de uma forma ou de outra, criar um conjunto de premissas que formam, cada uma com peculiaridades próprias, concepções sobre o fenômeno do crime, fundamentos e finalidades do sistema penal. Neste trabalho, vamos destacar algumas delas.
Embora possamos contestar a existência de uma Escola Clássica – como se os integrantes dela tivessem (o que não tinham) desejo de a ela pertencerem –, segundo a autora Miranda Santos (2018), é possível extrair elementos comuns que identificariam autores com afinidades filosóficas sobre o direito penal. Seus representantes afirmavam, dentre outras convicções, que a pena seria um mal necessário imposto ao indivíduo que, por ter agido de forma consciente e voluntária contra o contrato social estabelecido para manter a ordem e a moral, merecia sofrer um castigo. Apesar disso, essa visão filosófica orientava-se no sentido de interromper a notória barbárie em que o direito penal medieval havia se transformado ao longo dos séculos. Isso se fazia com a introdução de um tratamento mais humanitário em favor dos acusados e condenados, o que, comumente, era feito por meio da adoção de princípios e de métodos racionais de exame sobre o crime. Os autores dessa doutrina eram, em geral, contrários à tortura, a investigações/processos autoritários e propunham a legalidade como limite das reações do Estado. Como um dos maiores expoentes desse momento, podemos destacar Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria (1738-1794), que escreveu uma obra a qual é, ainda hoje, referência na doutrina penal, chamada Dos Delitos e das Penas (1764).
Outro autor igualmente reconhecido dessa escola é Francesco Carrara, quem sugere ser o crime uma conduta que viola o direito e que, por isso mesmo, pelo direito, deve vir também a solução. Segundo esse último autor italiano, a pena é a resposta jurídica para a proteção do direito de todos, sendo que ela está condicionada à noção de justiça. Isso significa que a sanção precisa ser orientada pela racionalidade e sua medida deve ser proporcional ao dano. Outro autor que merece destaque e que pertenceria a esse grupo é Paul Johann Anselm Ritter von Feuerbach, que criou o famoso brocardo nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege. É dele também a concepção preventiva da pena que serviria para dissuadir o potencial delinquente a desistir de iniciar a prática criminosa ciente das consequências provenientes do ato. Defendeu igualmente que a existência do crime no ordenamento estava condicionada à tutela de um interesse (BRANDÃO, 2010).
Em seguida, veio a Escola Positivista Penal, inspirada na filosofia de Augusto Comte. Seus seguidores acreditavam que o criminoso era fruto de fatores biológico-físicos, antropológicos e sociais. Veja que interessante: enquanto a escola anterior visava a punição do crime em razão do fato, o que limitava o poder punitivo estatal, os positivistas do século XIX e início do século XX acreditavam que deveriam consolidar o poder punitivo estatal e expandi-lo o suficiente para atingir o criminoso como causa do delito (SANTOS, 2018).
A alteração radical do paradigma não foi sem propósito. A Europa sofria com um estado socialmente caótico. Havia, só na França, dois milhões de indigentes, 300 mil mendigos e 130 mil menores abandonados. Enfim, a miséria e a criminalidade incentivaram o surgimento, na Sociologia, de estudos que defendiam a necessidade de estabelecimento da ordem e do progresso como forma de legitimar a moral e a convivência entre o capital e o trabalho.
Nesse sentido, Lombroso (1878) defendia que o homem delinquente apresentava sinais que indicavam sua predisposição ao crime (como: o tamanho das mandíbulas e do crânio, peso do cérebro, critérios psicológicos, etc). Já Enrico Ferri teria classificado o criminoso em cinco grupos: natos (por razões físicas nasciam com pouco senso moral e predisposição ao crime); loucos habituais (indivíduos que se transformaram em criminosos em razão do ambiente em que foram criados); ocasionais (que esperam uma oportunidade aparecer para praticarem o crime); e, por fim, passionais (devido à imaturidade, deixavam-se ser dominados por uma emoção que os conduzia a praticar um delito). De acordo com Aguiar (2018), os membros dessa escola defendiam o crime como um fato de ordem social e natural que determinaria o destino do indivíduo. Embora a sociedade possa ser responsabilizada pelo resultado, alguns doutrinadores positivistas defendiam a aplicação da pena de morte e outras punições severas como defesa de direitos de todos os membros sociais.
A terceira via do Direito Penal (Terza Scuola) surge como forma de tentar reduzir a distância entre as duas escolas anteriores e pretendendo conciliar elementos típicos de cada uma. Embora tenha decidido pela divisão entre imputáveis e inimputáveis, essa escola não aceitava o livre-arbítrio como fundamento para a responsabilização penal, nem o determinismo incutido na ideia de criminoso nato. Seus defensores acreditavam que a pena servia como defesa social e que tinha funções preventivas. Além disso, a pena não seria apenas a retribuição, mas serviria para a correção dos condenados.
Com Arturo Rocco, surgiu a Escola Técnico-jurídica. Seu objetivo era eliminar as confusões provocadas pelo positivismo do século XIX, que misturava as áreas do Direito Penal com a criminologia e as políticas criminais (ROCCO apud BITENCOURT, 2020, p. 126). Essa escola preferiu abordar a ciência penal como um ramo autônomo do conhecimento que deveria, em razão dessa característica, usar objeto e métodos próprios. Isso significa que a ordem jurídica não era apenas uma das características do direito, mas que o direito positivo deveria ser a única fonte de estudos sobre o Direito Criminal. O delito seria, assim, uma forma de relação jurídica prevista em lei, que pressupõe uma consequência diante da sua incidência, qual seja: a pena. Esta se justificaria por razões preventivas (especial e geral). Enfim, dizia-se que o ser humano expressa sua moral pelos atos que pratica, pelo fato de que ele é livre para agir contra ou conforme o direito. Assim, distanciava-se do determinismo da escola anterior, priorizando a ideia de livre arbítrio e de independência científica.
Crise do positivismo: de acordo com Cláudio Brandão (2010), o positivismo jurídico, que perdurou de forma absoluta, provocou situações de absoluta injustiça. A simples subsunção dos fatos às normas, desprezando-se as peculiaridades do caso concreto, era insuficiente para permitir uma solução adequada e coerente aos fins e às funções das próprias penas. Bitencourt (2017) chega a afirmar que o método indutivo e formalista do positivismo deu lugar às considerações axiológicas e materiais, como o neokantismo propõe. Entretanto, para um desenvolvimento histórico, considera-se essa breve e generalista introdução satisfatória para lhe despertar interesse sobre as escolas penais. Outras que discutirão com mais profundidade o neokantismo, o funcionalismo e o pós-funcionalismo você poderá estudar mais à frente no nosso material. Não deixe também de ler sobre a Escola Correcionalista, sobre a Escola Moderna Alemã, entre outras. Você poderá pesquisar sobre isso na obra do autor Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de Direito Penal (BITENCOURT, 2017).
Infração penal
O Brasil adotou o sistema binário/bipartido/dualista para definição das espécies de infração penal. Assim, ela se divide em crime (delito) e contravenção penal.
A infração penal, ou seja, o descumprimento por ação ou omissão de uma norma penal pode caracterizar a prática tanto de um crime ou delito quanto de uma contravenção penal. Ontologicamente não há distinção entre as espécies de infrações penais, sendo certo que tal divisão baseia-se na gravidade de ambos.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 277), os crimes ou delitos possuem um conceito formal, material e analítico. A concepção formal define como crime toda ação ou omissão proibida por lei, sob ameaça de pena. Já a concepção material conceitua o crime como toda ação ou omissão que afronta os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição com ameaça de pena.
Ainda é possível dizer, pelo conceito analítico, que o crime é o fato típico, ilícito e culpável. Por sua vez, a contravenção, também chamada de crime-anão ou delito liliputiano, pode ser conceituada como uma violação de menor gravidade à norma penal, definida a critério do legislador.
Para facilitar a compreensão das principais diferenças entre os crimes e as contravenções, veja o quadro comparativo a seguir:
CRIMES OU DELITOS | CONTRAVENÇÕES PENAIS |
---|---|
Estão previstos no Código Penal ou em leis esparsas:
|
Estão previstas na Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941):
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Atenção
Há quatro principais modalidades de ação penal e elas serão objeto de estudo da disciplina de Direito Processual Penal:
- Ação penal pública incondicionada.
- Ação penal pública condicionada a representação.
- Ação penal privada.
- Ação penal privada subsidiária da pública.
É importante entender que, além das contravenções penais previstas no Decreto-Lei nº 3.688/1941, existem também os chamados crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, crimes cuja pena máxima prevista não ultrapassa dois anos, conforme estabelecido pelo art. 61 da Lei nº 9.099/95. Esses crimes podem estar previstos tanto no Código Penal (CP) quanto em legislações penais especiais.
Reflita
Quando é o caso de o contraventor possuir foro por prerrogativa de função, há deslocamento de competência para a Justiça Federal?
Faça você mesmo
Pesquise na doutrina e na jurisprudência as seguintes questões: constitui crime quando o agente porta somente a munição sem a arma? E quando a arma está quebrada? A arma deve ter sido apreendida e periciada?
Dada a baixa gravidade das condutas definidas como contravenção e como crime de menor potencial ofensivo, a Constituição Federal de 1988, em observância ao princípio da proporcionalidade, determinou a criação dos juizados especiais para o julgamento dessas infrações penais.
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.
Portanto, as contravenções penais e os crimes de menor potencial ofensivo são objeto de apreciação pelos Juizados Especiais Criminais.
Pesquise mais
Sugestões para aprofundar seus conhecimentos:
Para saber mais sobre as contravenções penais e para conseguir visualizar a diferença entre crimes e contravenções, conheça os tipos penais previstos no Decreto-Lei nº 3.688/1941 e os compare com os tipos penais previstos no Código Penal a partir do art. 121.
Assista também ao documentário a seguir:
JUÍZO. Direção: Maria Augusta Ramos. Rio de Janeiro: Diler & Associados: Nofoco filmes, 2007. (90min), color., 35mm. (O filme auxilia na reflexão sobre a aplicação da lei aos menores infratores).
Sujeito ativo versus sujeito passivo
Para avançar nos estudos iniciais de Direito Penal, é necessário diferenciar a figura do sujeito ativo da figura do sujeito passivo do crime.
Será o sujeito ativo aquele que pratica o fato criminoso, isto é, é aquele que realiza o núcleo comissivo ou omissivo do tipo penal.
Já o sujeito passivo, em regra, é a pessoa física que sofre os danos decorrentes do fato delituoso praticado, ou seja, é o titular do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora.
No que tange às classificações quanto ao sujeito ativo, chamamos de crime comum aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa, ou seja, a norma incriminadora não identifica qualquer característica do sujeito ativo.
Chamamos de crime próprio aquele que só pode ser praticado por pessoas específicas, isto é, pessoas que possuem as características descritas no tipo penal. Contudo, ainda cabe coautoria ou participação por parte de quem não possui tal característica, conforme veremos no capítulo referente ao concurso de pessoas.
Por fim, crimes de mão própria são aqueles para os quais a norma incriminadora descreve uma conduta fungível, de forma que o autor não pode se fazer substituir. Entretanto, ainda caberá concurso de pessoas na modalidade participação.
Assimile
Pessoa jurídica pratica crime? Existem basicamente duas correntes:
1º corrente: adotada por Bitencourt, essa corrente entende que pessoa jurídica NÃO pode ser responsabilizada criminalmente. Caso fosse admitida tal responsabilização, haveria violação ao princípio da responsabilidade subjetiva, entre outros (BITENCOURT, 2020, p. 321).
2ª corrente: adotada pelo STJ e pelo STF, essa corrente defende que é possível, SIM, a pessoa jurídica ser responsabilizada criminalmente pela prática de crimes ambientais, por exemplo. Aliás, conforme o entendimento hoje presente nos julgados dos tribunais superiores, nem mesmo é necessária a dupla imputação, isto é, não é necessário que a pessoa física que praticou o crime ambiental seja criminalizada juntamente com a pessoa jurídica (CUNHA, 2020, p. 204).
Quanto às classificações, o sujeito passivo pode ser:
Sujeito passivo formal/constante: é o Estado.
Sujeito passivo material/eventual: é o titular do bem jurídico atingido.
Sujeito passivo próprio: ocorre quando o tipo penal exige uma qualidade essencial do sujeito passivo. Exemplo: art. 123 do CP.
Crime bipróprio: exige uma qualidade essencial tanto da vítima como do autor. Exemplo: art. 123 do CP.
Dupla subjetividade passiva: é classificação atribuída aos crimes em que obrigatoriamente há mais de um sujeito passivo.
Lembre-se
Não é possível ser sujeito ativo e passivo do crime ao mesmo tempo.
O animal não pode ser sujeito passivo do crime, mas pode ser considerado objeto material.
Pesquise mais
A pessoa jurídica pode ser vítima de crime contra a honra?
Vigência e revogação da lei penal
A lei penal, assim como as demais legislações pátrias, está sujeita às previsões do art. 1° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, também conhecida como LINDB:
Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
§ 1º Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficial- mente publicada.
§ 2º [dispositivo revogado]
§ 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
§ 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
Como se vê, a lei nova entrará em vigor na data indicada em seu texto e, caso haja omissão, em 45 dias a contar de sua publicação.
Tratando-se de lei brasileira cuja aplicação é admitida em outros países, a vigência se dará em três meses a contar da publicação.
É importante lembrar que se denomina vacatio legis o período compreendido entre a publicação da nova lei e sua entrada em vigor.
Ainda quanto às regras de vigência e de revogação da lei, veja os arts. 2° e 3° da LINDB:
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
Há dois tipos de revogação da lei: a total, denominada ab-rogação, e a parcial, denominada derrogação. A revogação pode ocorrer de forma expressa (quando declarada pela lei) ou tácita (quando regulamentar inteiramente a matéria da qual tratava a lei revogada). Ademais, pela regra geral prevista na LINDB, a repristinação, isto é, a restauração da lei outrora revogada a partir do fim da vigência da lei revogadora, só ocorre se o texto legal assim o previr expressamente.
Por fim, o mero desconhecimento da lei é inescusável, contudo, em Direito Penal, o erro sobre a ilicitude do fato pode afastar a culpabilidade e isentar de pena. As distinções entre desconhecimento da lei e erro sobre a ilicitude serão estudadas nas próximas seções.
Reflita
Não há revogação da lei penal pelo desuso, ou seja, só porque um crime ou contravenção cai em desuso não quer dizer que ninguém mais poderá ser punido pela prática. Enquanto a lei que o prevê não for revogada, a punição prevista será aplicável.
Para o aprofundamento do tema da vigência da lei penal, é importante que você tenha sempre em mente as regras de aplicação da lei penal estudadas na seção anterior, refletidas no princípio da aplicação da lei penal mais benéfica.
Lei excepcional e lei temporária
Dispõe o art. 3° do CP que: “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência” (BRASIL, 2017, p. 10).
Segundo Fernando Capez (2014, p. 80), a lei excepcional é feita para vigorar em períodos anormais, como época de guerra, calamidade pública, epidemia, etc. Sua duração se dará enquanto persistirem as condições que ensejaram sua criação. A lei temporária, por sua vez, é feita para vigorar durante um período de tempo prefixado pelo legislador. Na própria lei, está prevista a data de sua cessação, ou seja, desde sua entrada em vigor já se sabe a data de sua revogação. São exemplos de leis temporárias a Lei Seca do período eleitoral e recentemente a Lei Geral da Copa (Lei nº 12.663/2012, art. 36).
Assim, tratando-se de lei excepcional ou temporária, não há de se falar em retroatividade da lei penal, ainda que benéfica. Caso fosse possível, restariam inviabilizadas as razões pelas quais teriam sido editadas tais leis.
Exemplificando
Vamos analisar a decisão a seguir e depois entender o que ocorreu:
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. FATO PRATICADO SOB A VIGÊNCIA DA LEI 9.437/97. PRETENSÃO À EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE POR VACATIO LEGIS INDIRETA. IRRETROATIVIDADE DE LEI TEMPORÁRIA. DECISÃO CONFIRMADA.
Reeducando que pretende extinguir a punibilidade de uma das execuções alegando a retroatividade benéfica de abolitio criminis temporalis.
2. A extinção da punibilidade do artigo 32 do Estatuto do Desarmamento é regra da lei temporária, atraindo a incidência do artigo 3º do Código Penal: “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. Trata-se da ultra-atividade gravosa, em que a lei impede a retroação benéfica.
3. Quem incorreu no crime de posse ilegal de arma de fogo em período anterior à publicação da Lei 10.826/03 não foi beneficiado com a extinção de punibilidade. Precedente do Supremo Tribunal Federal de Repercussão Geral (RE 768494/GO).
4. Agravo desprovido .
As leis excepcionais e temporárias serão aplicáveis a todos os fatos ocorridos durante a sua vigência independentemente de terem sido revogadas e da lei posterior ser benéfica. No caso da ementa reproduzida anteriormente, o condenado pretendia que fosse reconhecida a extinção de sua punibilidade pela prática do crime de posse ilegal de arma de fogo durante a vigência da Lei nº 9.437/97. Entretanto, o novo Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03) impediu a retroação da lei em benefício dos autores do crime de posse ilegal de arma de fogo praticado anteriormente a sua entrada em vigor.
Trata-se de típica aplicação da regra da ultratividade em prejuízo do condenado.
Faça você mesmo
Como você já deve ter percebido, a formação do profissional de Direito demanda conhecimento técnico, raciocínio crítico, um amplo vocabulário e uma escrita lapidada. Tais instrumentos serão capazes de auxiliá-lo na interpretação e na resolução adequada dos casos concretos que você enfrentará no dia a dia da profissão, independentemente da área de atuação escolhida. Sob esse aspecto, a jurisprudência ocupa um papel de destaque em sua formação, pois ela o transporta para diferentes situações práticas em que foram aplicados os conteúdos estudados.
Agora é sua vez de analisar, interpretar e reescrever um caso concreto:
RECLAMAÇÃO. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO DO DÉBITO. SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL. LEI TEMPORÁRIA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. 1. A LEI TEMPORÁRIA PREVÊ EM SEU PRÓPRIO TEXTO A DATA FINAL DE SUA VIGÊNCIA, ASSIM, NÃO PODE SER UTILIZADA PARA ALCANÇAR CONDUTAS PRATICADAS FORA DO LAPSO TEMPORAL ALI ESTABELECIDO. 2. RECURSO PROVIDO.
As leis excepcionais e temporárias possuem duas importantes características (CAPEZ, 2014, p. 80-81):
São autorrevogáveis, o que significa dizer que ao contrário das demais leis, que dependem de outra lei para serem revogadas, elas perdem sua vigência automaticamente, sem precisar de outra lei para revogá-las. No caso da lei temporária, sua vigência se encerra na data prevista no texto legal, e no caso da lei excepcional, sua vigência acaba quando cessadas as condições anormais que autorizaram sua criação.
Além disso são ultrativas, ou seja, são aplicáveis, mesmo após sua autorrevogação, aos crimes praticados durante a vigência temporária ou excepcional da lei.
Exemplificando
A Lei nº 12.663/12, mais conhecida como Lei Geral da Copa, previu vários tipos penais, mas afirmou que suas disposições só estariam vigentes até 31 de dezembro de 2014. Assim, para os crimes previstos nessa lei e praticados até o último dia de 2014, sanadas as condições de procedibilidade da ação penal (representação), os delitos seriam punidos ainda hoje, a menos que estivessem individualmente prescritos.
Pode ainda ocorrer de uma lei posterior e mais benéfica fazer menção ao período anormal ou temporário e, só assim, haveria retroatividade da lei benéfica aos crimes praticados durante a vigência de uma lei penal temporária ou excepcional.
Reflita
Parte da doutrina, a exemplo de Zaffaroni, afirma que a ultratividade da lei penal temporária (ou excepcional) não foi recepcionada pela Constituição Federal. Isso porque o artigo 5º, inciso XL da Magna Carta não traz qualquer exceção ao princípio da retroatividade da lei penal benéfica, de forma que o Código Penal não tem escolha a não ser obedecer ao princípio constitucional (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011, p. 207). O que você pensa a respeito?
faça valer a pena
Questão 1
Chama-se, usualmente, de ‘lei excepcional’ aquela que limita a sua vigência a um tempo determinado, incerto, mas caracterizado pela presença de uma circunstância excepcional. Não se deve confundir este conceito com o do tipo circunstanciado, que é uma lei penal ordinária que considera delito uma ação ou agrava a pena para uma ação típica, quando há a concorrência de certas circunstâncias. A lei excepcional é uma lei que, frente a uma circunstância extraordinária, perde a vigência. A segunda conserva a sua vigência e volta a ser aplicada cada vez que a circunstância volte a se apresentar.
Marque a alternativa que apresenta as duas características comuns às leis temporárias e excepcionais.
Correto!
Leis penais temporárias são aquelas que possuem um prazo certo de vigência. Leis excepcionais são aquelas que possuem vigência condicionada a uma situação de anormalidade. Ambas são autorrevogáveis, pois possuem um dispositivo, no próprio texto legal, que declara o fim da vigência da lei pelo tempo ou pelo encerramento de uma situação excepcional. São também ultrativas, pois, conforme apregoa o art. 3º do Código Penal, tais leis são aplicáveis mesmo depois de seu prazo ou depois de cessar as circunstâncias que as condicionam, contanto que a conduta seja praticada durante a vigência da lei.
Tente novamente...
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Questão 2
No Brasil, infração penal é gênero, podendo ser dividida em crime (ou delito) e contravenção penal (ou crime anão, delito liliputiano ou crime vagabundo). Adotou-se o sistema dualista ou binário. Essas espécies, no entanto, não guardam entre si distinções de natureza ontológica (do ser), mas apenas axiológica (de valor).
Considere as seguintes assertivas acerca das distinções entre crime e contravenção e, em seguida, escolha a altenativa que melhor relaciona a espécie de infração a um de seus caracteres.
- Infração punida com pena de reclusão ou detenção.
- Infração punida com pena de prisão simples ou multa isolada.
- Infração incompatível com o instituto da tentativa.
- Infração compatível com o instituto da extraterritorialidade.
- Infração cuja competência pode ser fixada na justiça estadual ou federal a depender do caso.
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Correto!
As distinções entre crime e contravenção estão no campo axiológico, isto é, são pertinentes aos valores atribuídos pelo ordenamento jurídico a cada uma destas espécies de infração penal. Conforme estabelecido pelo art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal e pelos dispositivos do Decreto-Lei nº 3.688/41, o crime é conduta punida com reclusão e detenção, enquanto à contravenção comina-se pena de prisão simples ou multa isolada. Ademais, a tentativa e a extraterritorialidade são institutos que só se aplicam ao crime. Por fim, a justiça federal não julgará contravenção penal.
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Questão 3
Por ser o crime uma ação humana, somente o ser vivo, nascido de mulher, pode ser autor de crime, embora em tempos remotos tenham sido condenados, como autores de crimes, animais, cadáveres e até estátuas. A conduta (ação ou omissão), pedra angular da Teoria do Crime, é produto exclusivo do Homem. A capacidade de ação, e de culpabilidade, exige a presença de uma vontade, entendida como faculdade psíquica da pessoa individual, que somente o ser humano pode ter.
Considere a seguinte assertiva e marque a alternativa que melhor preenche as lacunas.
O _______ é o agente ou omitente que pratica a conduta descrita no tipo. O ________ é o titular do bem jurídico protegido pelo tipo penal. Classifica-se de ________ o tipo penal que prevê características específicas para o autor do crime e de ________ a norma incriminadora que descreve conduta infungível. O STF, atualmente, _______ a possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais.
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Correto!
O sujeito ativo é aquele que pratica a ação ou omissão típica. O sujeito passivo é o titular do bem jurídico protegido pelo tipo penal. Crime próprio é aquele que descreve características do sujeito ativo, enquanto crime de mão própria descreve uma conduta no qual o agente não pode se fazer substituir. Por fim, a jurisprudência atual permite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas apenas nos crimes ambientais, conforme estabelecido no art. 225, § 3º da Constituição Federal (CUNHA, 2020, p. 203).
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